Terra insegura

Atlas da Violência: assassinatos de indígenas sobem 22% em uma década

Nova edição do levantamento mostra redução da violência letal entre 2009 e 2019, o que não se traduziu em queda da desigualdade racial: negros têm 2,6 vezes mais chances de serem assassinados

Mídia Ninja/MNI
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Pelo menos 2.074 indígenas foram assassinados entre 2009 e 2019 no Brasil. Atlas da Violência 2021 também faz um retrato sobre as agressões contra a população LGBTQIA+ e pessoas com deficiência

São Paulo – A violência letal contra os povos indígenas recrudesceu na última década, de acordo com o Atlas da Violência 2021, divulgado nesta terça-feira (31) (clique para ler na íntegra). A publicação revela, com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, que ao menos 2.074 pessoas indígenas foram assassinadas entre 2009 e 2019. Um aumento de 21,6% na taxa de homicídios, na contramão dos homicídios em geral no país, que registraram queda de 20%, no mesmo período, segundo a publicação. 

Foram 15 mortes de indígenas por 100 mil habitantes em 2009 para 18,3 por 100 mil habitantes, em 2019. Isso ante a redução geral de 27,2 mil para 21,7 mil por 100 mil habitantes. Essa é a primeira vez que os dados sobre a violência letal contra os povos originários foram analisados no Atlas elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). A publicação levou em conta também dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) da Saúde.

Para retratar a violência no Brasil contra essa população específica, o estudo analisou os números de homicídios nos municípios com terras indígenas e sem terras indígenas. A comparação mostrou que nas cidades com Terras Indígenas (TIs), as taxas de homicídios foram maiores, chegando a uma taxa de 20,4 para 100 mil habitantes, enquanto que os municípios sem territórios indígenas fecharam o período com uma taxa de assassinatos de 7,7 para 100 mil habitantes. Nos estados com TIs, Amazonas (49), Roraima (41), Mato Grosso do Sul (39) e Amapá (30,1), registraram os maiores índices de violência letal. Em alguns estados, a situação, segundo o Atlas, “é ainda mais grave relativamente” porque a taxa de homicídios contra pessoas indígenas supera os índices de assassinatos no geral. 

Risco de genocídio

É o caso de Santa Catarina, onde a taxa de homicídios da população no geral foi de 10,3, contra 24,3 das mortes de pessoas indígenas. A situação se repete em outros quatro estados, incluindo Roraima, que registrou 38,6 mortes violentas para cada 100 mil habitantes e 57,0 assassinatos de indígenas para cada grupo equivalente. De acordo com os pesquisadores, “os números e as taxas de homicídios apresentadas neste trabalho são expressões das vulnerabilidades vividas e do que se deve entender como risco de etnocídio, e mesmo de extermínio (genocídio), que os Povos Indígenas enfrentam cotidianamente”, destaca o estudo. 

Os organizadores completam que “há uma manifesta precarização das garantias que dão efetividade aos direitos humanos dos povos indígenas, intensificada nesta última década. As TIs expressam direitos originários, mas ainda mantêm registros de exclusões, violência crua e simbólica. A face mais visível da violência está relacionada à exploração ilegal dos recursos naturais desses territórios, objetos de invasões e ocupações ilegais”, completam. 

Somente em 2019, 277 casos de assassinatos, sendo apenas 20 deles homicídios culposos – isto é, quando uma pessoa mata a outra sem intenção – foram levados às autoridades, o dobro do apurado em 2018. A taxa de homicídios de pessoas indígenas vem se elevando na última década, atingindo seu pico de 24,9 em 2017. Mas, apesar da redução em 2019, ela se manteve acima da taxa de 2011, de 14,9, e dos assassinatos que consideram toda a população brasileira.

Quase 17 mil mortes sem identificação

A nova edição do Atlas revela que essa queda geral dos homicídios pode não ser, contudo, real. A advertência leva em conta o crescimento de 35,2% no número de Mortes Violentas por Causa Indeterminada (MVCI) entre 2018 e 2019. Esse tipo de categoria, como explica o estudo, é utilizada para os casos de mortes violentas por causas externas em que não foi possível estabelecer a causa básica do óbito ou a motivação que levou ao fato, como suicídio, acidentes de trânsito, agressões. Essas mortes, porém, entram para as estatísticas como indefinidas e podem puxar o número de homicídios do país para baixo. 

Ao todo, em 2019, o Brasil registrou 45.505 assassinatos, inferior ao total de 57.956 homicídios registrados em 2018.

Taxa de Homicídios de 2009 a 2019 de acordo com a série histórica do Atlas da Violência de 2019 / (Reprodução)

Porém, no mesmo período, as mortes violentas sem causa definida saltaram de 12.310 para 16.648. Ou seja, o Brasil não sabe a causa de quase 17 mil mortes violentas de 2019. Os maiores aumentos foram registrados no Rio de Janeiro (232%). Seguido por Acre (185%) e em Rondônia (178%), o que preocupa os autores do Atlas da Violência. O estudo alerta para um alta dessa categoria desde 2014, depois de uma queda de 15 anos que chegou a alcançar uma taxa de 6,0% naquele período. 

A avaliação é que o crescimento das mortes violentas por causa indeterminada dificulta uma melhor compreensão da evolução da violência letal no Brasil. “Isso é bastante preocupante e indica perda de acurácia das informações do sistema de saúde. Este fato, além de revelar a piora na qualidade dos dados sobre mortes violentas no país, permite também levar a análises distorcidas, na medida que pode indicar subnotificação de homicídios”, ponderam os pesquisadores. 

O racismo e o risco de assassinato

O Atlas da Violência de 2021 também adverte que mesmo a redução da violência letal também não se traduziu na redução da desigualdade racial. A população negra manteve-se como a maioria das vítimas dos homicídios em 2019, com 77%. A taxa de homicídios de pessoas pretas e pardas foi de 29,2 por 100 mil habitantes. Enquanto que entre os não negros, essa taxa de 11,2 para 100 mil. 

De acordo com a publicação, isso significa que a chance de uma pessoa negra ser assassinada é 2,6 vezes superior àquela de uma pessoa não negra. Em um recorte de gênero sobre as mortes violentas, as mulheres negras também são a maioria das mulheres assassinadas no país, uma taxa de mortalidade de 4,1 contra 2,5 de mulheres não negras. No geral, na última década, 50.056 mulheres perderam a vida

Violência contra pessoas com deficiência e LGBTs

Pela primeira vez, os pesquisadores também incluíram dados referentes à violência contra pessoas com deficiência. Ao longo de 2019, 7.613 casos foram registrados, o equivalente a quase uma agressão a cada hora em todo o país. As pessoas com deficiência intelectual são as que mais sofrem, segundo o estudo, com 39,4% das ocorrências de violência. A distribuição dos casos é seguida pelo grupo com deficiência física, com 30,2%, e com deficiências múltiplas (13,8%). Pessoas com dificuldades auditivas representam 9,3% das violências sofridas, seguidas por aqueles com deficiência visual, 7,3% dos casos. Como na violência de gênero, a maioria dos casos de agressões contra pessoas com deficiência também ocorre dentro de casa, com 58,5% das notificações. 

O Atlas também analisou a violência contra a população LGBTQI+ e levantou 5.330 casos de agressões contra homossexuais e bissexuais. Uma alta de 9,8% em relação a 2018. Entre a população trans e travesti, também houve alta nos casos de violência física, que cresceu 5,6% em 2019, com 3.967 registros. 

A publicação ainda chama atenção para a violência armada no Brasil, que registra números de guerras. Desde 2009, foram 109 assassinatos com utilização de arma de fogo verificados por dia. Até 70% dos homicídios do país na última década foram cometidos com emprego de arma de fogo. Os pesquisadores alertam, por fim, sobre uma tendência de alta devido aos que classificam como a “política permissiva” em relação às armas de fogo pelo governo de Jair Bolsonaro. 

Leia mais: Aumento das mortes violentas na pandemia mostra efeito de mais armas na sociedade


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