Correndo atrás

Crimes em Araçatuba evidenciam falta de investigação policial

Especialistas em segurança pública apontam que o trabalho interno baseado em inteligência e prevenção não está sendo feito

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Moradores de Araçatuba foram feitos reféns e usados como escudo humano também sob tetos e capôs de carros para a fuga dos criminosos envolvidos no assalto a agências bancárias

São Paulo – Pelo segundo dia seguido, as forças de segurança de Araçatuba, no interior de São Paulo promovem uma ação de “varredura” pelo centro e outras regiões da cidade à procura de explosivos espalhados por assaltantes durante a madrugada desta segunda (30). A cidade permanece com parte de suas atividades paralisadas após o terror provocado pelo grupo que roubou duas agências bancárias, efetuou disparos com armas de grosso calibre e fez moradores de reféns, usando-os como escudo humano também sob tetos e capôs de carros para a fuga. 

Três pessoas morreram e outras quatro ficaram feridas. Um jovem ainda foi atingido por um explosivo e teve os pés amputados. Além de estarem fortemente armados, o grupo usou drones para monitorar a atuação policial. O secretário de Segurança Pública em exercício de São Paulo, coronel Álvaro Batista Camilo, disse que os ladrões tinham informações privilegiadas sobre a grande quantidade de dinheiro no Banco do Brasil.

O ataque colocou Araçatuba, município de quase 200 mil habitantes, como o local que teve a ação mais violenta do tipo em 2021. Mas esse tipo de modalidade criminosa não é um caso isolado.

Seis ataques no último ano

De acordo com a advogada Isabel Figueiredo, integrante do Conselho de Administração e consultora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, há pelo menos 20 anos acontecem ações criminosas organizadas no país com o emprego de armas de fogo para assaltos a bancos com uso de reféns. A atuação começou no Nordeste e ganhou o termo de “novo cangaço”. Uma referência às invasões como a do bando mais famoso do cangaceiro Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. Esse modus operandi se expandiu nos últimos anos para o Sul e o Sudeste. 

No estado de São Paulo, foram pelo menos seis ataques do tipo em pouco mais de um ano. No primeiro semestre de 2021, criminosos invadiram as cidades de Mococa e Jarinu, em abril e julho, respectivamente, depois de já terem espalhado terror em Araraquara, Botucatu e Ourinhos ao longo de 2020.

Apesar do histórico, chama a atenção da especialista que em todos os episódios “a polícia está correndo atrás desse prejuízo”, como observa em entrevista a Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual. Isabel, que já atuou como secretária-adjunta de Segurança Pública do Distrito Federal e diretora da Secretaria Nacional de Segurança Pública, alerta que a respostas das forças de segurança não estão acompanhando os ataques que têm sido cada vez mais graves.

Falta trabalho de inteligência

“Não temos notícia da polícia conseguindo evitar esse tipo de ação, o que a gente tem sempre é o caso que aconteceu, com a desgraça posta. Nesse caso particular (de Araçatuba), com mortes, muito mais grave e violento do que as ocorrências registradas anteriormente”, aponta. 

A atuação do grupo criminoso também chamou atenção do tenente-coronel aposentado da PM de São Paulo, Adilson Paes de Souza, mestre em Direitos Humanos e doutor em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP). 

“Analisando as imagens ontem, verifiquei uma estética militar na ação desses grupos. Eles não estavam na rua, estavam progredindo e tomando o terreno, avançando com disciplina. É muito interessante a formação deles progredindo pela rua e fazendo um perímetro de segurança com as bombas de sensor de presença. É de um grau de profissionalismo imenso”, detalhou, ao Jornal Brasil Atual. De acordo com o ex-comandante, esse modo de atuação também expõe que “o Estado está anos luz atrás desse grupo”.

Não há política de segurança

Souza destaca que os criminosos estão “trabalhando com inteligência e planejamento, o que falta para as forças legais”. A avaliação é que as organizações criminosas estão ocupando os vácuos deixados pela política de segurança pública do país como um todo. O problema começa, conforme descreve, pelas “fronteiras secas” que, sem monitoramento, estão funcionando como células de facções. Nesse caso, por “omissão federal” e falta de fiscalização do Exército sobre os armamentos. 

Mas em comum, para os dois especialistas, há uma completa ausência de estrutura investigativa por parte dos entes federados que impede o país de ter uma política de segurança de fato. “Aposta-se no combate e na eliminação do dito ‘inimigo’ e deixa de lado a investigação e prevenção”, destaca o tenente-coronel aposentado. 

Risco de novos ataques

“Até quando vamos ficar ‘correndo atrás do rabo’, prendendo pequeno traficante, o moleque que está fumando maconha na rua, esses crimes que eu chamo de ‘trombada’? A PM está ali circulando, patrulhando e ‘tromba’ com o crime. E o impacto disso na nossa criminalidade concretamente dessa atuação policial é muito pequeno. Temos pouco esforço dedicado a modalidades criminosas mais graves e que de fato geram impacto. Somos um país que não esclarece nem 20% dos homicídios aqui praticados. Ao mesmo tempo, este é o país com o maior número absoluto de homicídios do mundo e este tipo de modalidade criminosa como a que aconteceu (em Araçatuba) sem resposta. Acontece há mais de 20 anos e não estamos monitorando”, alerta Isabel. 

A secretaria de Segurança Pública divulgou que 380 policiais foram deslocados para localizar os criminosos. Mas a avaliação dos especialistas é que a situação é preocupante e demanda do governo federal e estadual união para a apresentação de um plano de enfrentamento que evite a continuidade desse histórico de ações criminosas nas cidades. “É como se diz, esse ‘leite já derramou’. E o que vamos fazer para que esse leite não derrame outra vez e outras pessoas não sejam assassinadas e não tenhamos essa situação de pânico? Esta é a resposta que queremos ouvir”, finaliza a consultora do FBSP. 

Confira a entrevista 

Redação: Clara Assunção


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