Democratização do acesso

Falta ao projeto da Lei das Antenas levar em conta riscos da radiação, adverte geógrafo da USP

Em debate na Câmara de São Paulo, PL prevê expansão da infraestrutura de telefonia e internet. Especialista fala na importância de levar as antenas às áreas que não possuem, mas defende que é preciso cuidado para evitar exposição à radiação

Geraldo Magela/Agência Senado
Geraldo Magela/Agência Senado
Ampliação deve ser respaldada no projeto por regulamentação que limite a emissão de radiação das antenas, aponta Wagner Ribeiro

São Paulo – Conhecido de Lei das Antenas, o Projeto de Lei (PL) 347/2021, que trata do licenciamento à operação de serviços de telecomunicações na cidade de São Paulo, embora avance no debate sobre a cobertura da telefonia móvel, ainda é omisso quanto aos limites da exposição à radiação do sinal de internet que, sem controle, pode implicar em problemas na saúde da população. É o que adverte o professor Wagner Ribeiro, do Departamento de Geografia e do Programa de Pós-Graduação da Universidade de São Paulo (USP), em sua coluna na Rádio Brasil Atual

O projeto em tramitação na Câmara Municipal de São Paulo é de autoria da prefeitura. Prevê a instalação de equipamentos de telecomunicações para ampliar o sinal de telefonia móvel e de internet na capital. A proposta já conta com a aprovação dos vereadores que deram aval ao PL em primeira votação, na Sessão Extraordinária, no dia 16 de junho. Nesta terça-feira (6), a proposição passou pela última audiência pública da Comissão de Política Urbana, Metropolitana e Meio Ambiente, e foi encaminhado para Plenário. 

Radiação e os riscos à saúde

A análise do geógrafo da USP é que a iniciativa é fundamental para levar mais antenas às áreas periféricas do município que não possuem esse tipo de equipamento e sofrem com a falta de acesso ao sinal de telefonia e internet móveis. “Há toda uma luta mundial que leva o acesso à internet como um direito humano”, destaca à jornalista Marilu Cabañas. Ribeiro critica, no entanto, que essa ampliação não esteja respaldada no projeto por regulamentação que limite a emissão de radiação das antenas. 

Com base em estudos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), ele aponta a ocorrência de problemas de saúde sérios. Entre eles, há evidências de câncer e até questões psiquiátricas, como depressão. O risco surge quando população é exposta a uma faixa inferior a 500 metros de distância de uma antena, explica. “É preciso regulamentar e levar isso em conta, por exemplo, aumentar a altura, mudar o tipo de radiação, de onda. Isso tudo é possível tecnicamente desde que você regularmente nos termos da lei. E, infelizmente, esse tipo de situação ainda não está sendo considerada (no PL)”, indica o professor. 

Papel das empresas

O colunista participou da última audiência pública sobre o projeto, realizada ontem, e advertiu sobre a inclusão do limite de emissão de radiação. Os parâmetros são também importantes por conta do histórico de infrações do setor de telecomunicações no país como um todo. Apenas em São Paulo, segundo Ribeiro, estima-se que 1.800 a 2 mil antenas estejam irregulares. A lei em vigência sobre o tema proíbe a instalação desses equipamentos junto a escolas, hospitais e ruas com menos de 10 metros de largura. Na prática, esses requisitos mínimos sequer são respeitados, conforme afere o geógrafo. 

“Sabemos que infelizmente o grupo empresarial no Brasil sempre vai no limite menor da lei, e o que não está na lei, não é cumprido. E mesmo o que está na lei muitas vezes é driblado. Então, é preciso ter muito cuidado e cautela em ampliar a telefonia celular mas ao mesmo tempo estar preocupado com a saúde pública da população. (…) Agora com essa necessária expansão das antenas para o 4G, porque tem muita área de São Paulo que não tem nem o 4G com qualidade e, eventualmente, com a instalação do 5G, vamos ter uma profusão ainda maior das antenas. Isso vai proliferar muito a quantidade de antenas em São Paulo e é preciso regulamentar isso com muita calma”, defende. 

Os benefícios da Lei das Antenas

Outro ponto de discussão da Lei das Antenas é que as empresas priorizem a democratização do sinal de telefonia e internet nas franjas da cidade, onde estão as “sombras”, como são chamadas as áreas sem cobertura, como Cidade Tiradentes, no extremo Leste, entre outras regiões periféricas. Um levantamento da pesquisadora Luciana Fukimoto Itikawa, do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), revela que, mesmo em áreas com alta densidade, como Paraisópolis, existem apenas quatro antenas. Um número inferior ao de bairros vizinhos, como a Berrini, também na zona Sul. 

A pesquisa indica que o desinteresse nessas regiões por parte das empresas, apesar da demanda, acentua a desigualdade digital e priva as pessoas do direito à informação. A secretária-executiva municipal de Educação, Malde Maria Vilas Bôas, declarou na audiência que há alunos que sequer têm sinal para estudar em tempos de pandemia, que tornou necessário o ensino a distância. “Não tem antena porque para a operadora não é conveniente instalar por razões obviamente econômicas”, critica Ribeiro. 

As contrapartidas

Segundo o professor, é por isso que definir a prioridade das periferias é necessário no projeto. “Entra a regulamentação do Estado dizendo que é necessário sim ter uma antena lá, inclusive provendo internet para áreas públicas”. Apesar da conduta do setor, o vereador André Santos (Republicanos) defendeu que o poder público ofereça incentivo às empresas para garantir a cobertas nestas regiões. Uma proposta “estarrecedora e preocupante”, na avaliação do geógrafo. 

Ao contrário, Ribeiro defende que a prefeitura de São Paulo deveria estabelecer como contrapartida com a instalação a ampliação do sinal de internet para praças públicas, pontos de ônibus e outros locais coletivos para a oferta de wi-fi gratuito. “Independente das empresas de telefonia, já que sabemos que o acesso à internet é um direito humano de acesso à informação, aos serviços do Estado, dos setores privados. A oferta de trabalho passa pela internet, a própria realização da atividade laboral se dá pela internet. Estamos perdendo uma oportunidade grande de qualificar o sinal nas áreas públicas”, conclui.

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima