Descaso

Mães solo sofrem com a falta do auxílio emergencial

Rede Brasileira de Renda Básica denuncia casos de mães responsáveis pelo sustento de sua família que, mesmo tendo direito, não conseguiram acessar o benefício do ano passado

Marcelo Camargo/EBC
Marcelo Camargo/EBC
Denúncia, que será enviada nesta terça (20) por ofício ao Ministério da Cidadania, levanta mais de 1.100 histórias de mães de solo que estão sem acesso ao auxílio emergencial

São Paulo – No último dia 10 de julho, enquanto o presidente da República, Jair Bolsonaro, participava de uma “motociata” em Porto Alegre, – como chama seus passeios de moto com apoiadores –, a diretora de Relações Institucionais da Rede Brasileira de Renda Básica, Paola Loureiro Carvalho, via de perto os problemas enfrentados pelas mães solo com a falta do auxílio emergencial.

Assistente social e especialista em Gestão de Políticas Públicas na perspectiva de gênero e de promoção da igualdade racial, Paola participava de um drive thru solidário, promovido por organizações da sociedade civil, sindicatos e partidos políticos para arrecadar alimentos às comunidades da região, quando conheceu a história de Bruna Vitória de Marques. 

Mãe de dois filhos e em situação de desemprego desde o início da pandemia no ano passado, Bruna buscava por alimentos após perder uma venda de doces na região. Sem comida em casa e com um aviso de despejo para os próximos dois dias, ela reconheceu Paola das redes sociais por seu trabalho em ajudar as famílias a acessar o auxílio emergencial e pediu ajuda. Àquela altura, conforme relatou à diretora, Bruna já tinha obtido na Justiça o direito ao auxílio emergencial. Mas, quase 13 meses depois da decisão, nenhuma parcela do benefício ainda constava em sua conta. 

A Rede Brasileira de Renda Básica, que faz parte da campanha que cobra o auxílio emergencial até o fim da pandemia, conseguiu com que, na mesma semana, o auxílio fosse liberado para Bruna. E, por meio de sua história, lançou uma campanha pelas redes sociais à procura de outras mulheres na mesma situação. Em poucos dias, conforme descreve Paola em entrevista à Marilu Cabañas, no Jornal Brasil Atual, mais de 1.100 histórias semelhantes foram levantadas. Elas agora fazem parte de uma denúncia que será enviada nesta terça-feira (20), por ofício, ao Ministério da Cidadania. 

A denúncia contra o governo

“Infelizmente a Bruna, como tantas outras mães, mesmo ganhando na Justiça não conseguiu fazer com que esse benefício entrasse na sua conta”, conta Paola. “E hoje estamos enviando por ofício ao Ministério da Cidadania essa listagem das mães solo, com cópia para a Defensoria Pública da União, o Conselho Nacional de Justiça e para o Ministério Público. Também estamos pedindo uma agenda com as mulheres do Congresso Nacional que lutaram por esse benefício dobrado para as mulheres mães solo para que elas também nos ajudem a cobrar do governo uma posição. É um absurdo deixar as mães solo, as únicas responsáveis pelo sustento dessas famílias, sem benefício em meio a uma pandemia que não acabou”, contesta. 

Na primeira fase do programa, o auxílio emergencial teve o valor fixado em R$ 600, triplo da proposta original do governo federal. À época, parlamentares conseguiram com que o valor fosse duplicado para as famílias chefiadas por mulheres. Um ano depois do início da pandemia, em meio à chamada segunda onda da covid-19, o governo reduziu os valores do auxílio emergencial. Com o novo desenho, o benefício pago às mães solo caiu para R$ 375. Os problemas anteriores, contudo, se mantiveram. 

Outros casos

O Jornal Brasil Atual também conversou com Amanda Francisco Moreira Miranda, mãe de três crianças e que perdeu o emprego em meio à crise sanitária. Moradora de Senador Canedo, na região metropolitana de Goiânia, ela teve de recorrer à Justiça três vezes, por meio da DPU, para conseguir acesso ao auxílio.

“Estou desempregada desde março do ano passado. Tenho todas as provas, carteira de trabalho não está assinada, tenho o distrato da prefeitura onde eu trabalhava. Mas eles alegam para mim que sou funcionária pública, por isso não tenho o auxílio. Acionei a Justiça, consegui pegar as cinco primeiras parcelas e o juiz já determinou que em dezembro pagassem as outras cinco parcelas e as extensões”, descreve. “Tive que acionar a Justiça novamente para receber as extensões. Agora, acionei de novo a DPU para ver se eu consigo pegar o auxílio de 2021, porque consta do mesmo jeito que estou trabalho. É triste demais e humilhante ter que viver de cesta básica dos outros, um colega ajuda, outro traz um leite. É difícil ver as crianças pedindo as coisas e não ter como comprar”, lamenta a mãe.

Governo alega ‘problema’ em dados do auxílio emergencial

De acordo com diretora, a situação de Amanda mostra que o governo Bolsonaro “não reconhece os efeitos da própria pandemia”. “Nós denunciamos isso. O governo justifica como um problema na base de dados. É sempre um problema no sistema, mas o governo não faz grande esforço para resolver. Porque, a partir do momento em que a Amanda apresentou os documentos, já se viu que ela não é funcionária pública, não tem como o sistema responder a mesma coisa porque já pagou as cinco parcelas, reconhecendo que ela não é mais funcionária pública. Não tem justificativa que caiba em uma situação como essa”, aponta Paola. 

A falta de acesso se torna ainda mais grave, segundo a especialista, nos locais onde não há Defensoria Pública. “Porque ela não está em todas as cidades, então tem muitas mães precisando do auxílio emergencial e que não tem acesso nem à Justiça gratuita. Portanto, o governo está cometendo um crime contra as pessoas que vivem em uma situação social e econômica gravíssima. O governo repete a mesma análise errada que fez no ano passado”, adverte. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção