Caros amigos

Nos 80 anos de Suplicy, homenagem de Lula e defesa da renda básica

Vida do ex-senador petista é dedicada à defesa da tese de que todo cidadão tenha direito a um rendimento básico pago pelo Estado como ponto de partida para o exercício de sia cidadania

Ricardo Stuckert
Ricardo Stuckert
Companheiros de uma vida: “É uma profissão de fé sua renda básica no Brasil e no mundo”, disse Lula ao aniversariante Eduardo Suplicy

São Paulo – “Nem todo irmão é um grande companheiro. Mas todo companheiro é um grande irmão, que a gente escolhe.” Assim o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu, ao final de mais de uma hora de conversa, sua relação de quase 50 anos com o aniversariante do dia. O vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT) completou neste 21 de junho 80 anos. E a festa, em live homenagem com Lula, foi toda para lembrar a trajetória de vida pública dedicada a um projeto que a cada dia evidencia mais sua importância: a renda básica de cidadania. “É uma profissão de fé sua renda básica no Brasil e no mundo”, disse Lula, destacando que “essa ideia do Eduardo Suplicy” passou a ser uma necessidade internacional.

Leia mais sobre a Renda Básica de Cidadania

Os dois lembraram a primeira conversa, após uma palestra do economista Eduardo Suplicy, em 1975, na Fundação Santo André. Lula foi proibido por um professor da fundação de fazer perguntas ao palestrante por ser “comunista”, relatou o ex-presidente. Ele e Suplicy, então, conversaram no pátio ao final do encontro e combinaram se encontrar depois. Mal sabia o professor que ajudou a construir uma das relações mais profícuas da política brasileira.

“Você me convidou a ir ao sindicato e muitas vezes passei a visitar vocês”, relata Suplicy. “Quando chegou 1978 e tinha indicado meu nome para ser candidato do MDB você aceitou fazer um diálogo comigo no calçadão da Barão de Itapetininga (rua comercial do centro de São Paulo), em frente à livraria Brasiliense. Umas 300 pessoas assistindo e nesse diálogo foi a primeira vez que o Lula falou sobre a formação de um partido de trabalhadores.”

Nasce a ideia da renda básica

Lula conta que boa relação que mantinha com o amigo desde quando foi eleito deputado pelo MDB. “Já fazem quase 50 anos que temos uma boa relação de amizade. Como vou viver 120 e você uns 130 ainda vamos ter muitos anos”, disse. “Acho que seria importante as pessoas mais jovens sobretudo, que ainda não leram seus livros, saibam…” Lula, então, passou a mencionar o “breve” currículo do professor, economista, político.

E ressaltou ser Suplicy uma prova viva de que é possível fazer política com ética. “Pode ter um ser humano com alma e coração igual ao Suplicy, mas duvido que tenha alguém mais solidário, companheiro. Sempre soube admirar sua preocupação com os mais pobres, desafortunados, os mais necessitados.”

Foi exatamente dessa postura de vida que nasceu a ideia da renda básica. “Primeiro quando estudava nos Estados Unidos, em Michigan, Stanford”, disse lembrando que naquela época um grande número de economistas fez apelo ao congresso norte-americano para que se estabelecesse a garantia de uma renda mínima. O governo Richard Nixon chegou a pedir para formularem uma proposta.

Lula e suplicy
Lula e Suplicy no ABC (via Facebook)

Com Lula, o assunto foi pauta de uma reunião no extinto Instituto Cajamar, centro de formação política criado no anos 1980 pela CUT, o PT e outros movimentos. “Te dei uma carona num jipe branco que tinha usado na campanha (para o Senado, em 1990) e fui explicando. Você disse: “Boa ideia, pode apresentar”.

Outros companheiros

A live que reuniu Lula e Suplicy para comemorar os 80 anos do ex-senador lembrou com emoção de antigos companheiros. Pensadores fundamentais para o desenvolvimento da proposta da renda básica que deu origem ao Bolsa Família dos governos Lula e Dilma Rousseff. José Gomes da Silva, pai de José Francisco Graziano, responsável pelo Programa Fome Zero dos governos petistas. O médico, escritor e cientista social Josué de Castro. Os economistas Celso Furtado e Paul Singer, um dos grandes responsáveis pela difusão da economia solidária no Brasil.

Em carta ao STF, Suplicy defende regulamentação da renda básica de cidadania

“Havia um coral de meninos e meninas dos bairros pobres cantando e você ficou de olhos lacrimejados”, relatou um Suplicy emocionado a homenagem a Josué de Castro, no Recife, durante a gestão do governador João Paulo (PT). “São grandes pensadores brasileiros que foram entusiastas (do programa Renda Básica da Cidadania)”, ressaltou o ex-senador, comemorando o fato de que o Supremo Tribunal Federal (STF) deu prazo até 2022 para que o governo federal  implemente o pagamento do programa de renda básica da cidadania aos brasileiros em situação de pobreza e extrema pobreza.

Lula e Suplicy em 2022

“Vamos viver para ver acontecer isso em 2022”, afirmou Lula, 75 anos, a Suplicy, 80. “O povo brasileiro vai ter de acompanhar isso com muito carinho”, disse o ex-presidente, mencionando “todo um trabalho” que será necessário para reconstruir tudo que está sendo destruído. “Mas a renda básica está consolidada na cabeça das pessoas para garantir de verdade aos brasileiros poderem viver com dignidade. Vamos conseguir vencer os preconceitos e instituir o direito de nunca mais uma pessoa ir dormir com fome, uma criança acordar sem ter o que comer.”

O ex-presidente comparou a situação da fome com a crise de 2008. “Os governantes não mediram esforço para salvar o sistema financeiro. Vai custar muito menos a política de renda básica”, reforçou. “E teu nome nessa historia. É importante que a sociedade brasileira que pensa de forma mais humanista leve em conta todo o trabalho que você tem feito nesses 40 anos”, afirmou Lula. “Se todos tivessem essa disposição o mundo seria muito melhor. Vamos viajar juntos (quando a pandemia acabar) e mostrar para as pessoas que é economicamente possível. O melhor investimento é cuidar do povo.”

Suplicy aceitou o convite. “Desde 23 de março do ano passado, já fiz 632 diálogos como esse nosso com estados, municípios, vereadores e prefeitos de vários partidos (pela Frente Nacional em Defesa da Renda Básica).”

O ex-senador contou, então, sua experiência no Quênia, demonstrando que a renda básica permitiu às pessoas condição de trabalhar e produzir mais. “A prioridade era a educação das crianças e adolescentes. Também reforçou a solidariedade na comunidade. E a violência doméstica e sexual contra as mulheres caiu, já que tinham mais autonomia e liberdade”, detalhou.


História

Suplicy foi eleito deputado estadual em 1978 pelo antigo MDB. Elegeu-se deputado federal em 1982. Ficou fora do Congresso constituinte em 1986 ao disputar o governo do estado. Em 1988 foi o vereador mais votado da capital paulista.
Dois anos depois, foi eleito senador, feito repetido em 1998 e 2006. Ocupou o posto até o final de 2014. Em 2016 novamente teve a maior votação para vereador em São Paulo, sendo reeleito em 2020.


“Hoje, felizmente, em mais uma decisão você foi absolvido. Quero lhe cumprimentar. Mais um sinal de que em 2022 você vai poder ser nosso candidato. De pronto, declaro meu apoio. Pode contar comigo”, disse Suplicy ao companheiro Lula.

Tenho o prazer de desde 1975 te conhecer e travar essa amizade de quase 50 anos. Você tem da minha parte um respeito profundo que poucas pessoas receberam de mim. Não se deixe cair.

Solidariedade às famílias dos 500 mil

A live dos 80 anos de Suplicy, com Lula, foi encerrada com a expressão de pesar e solidariedade do aniversariante às famílias dos mais de 500 mil mortos pela covid-19 no Brasil.

“Temos um governo genocida, sem sentido humanitário, que só pensa nele, nos milicianos dele, nas mentiras dele”, criticou Lula. “O Brasil não pode suportar um pessoa dessa governando. Que seja alguém que tenha responsabilidade com esse país.”

E fala sobre a vacina como um bem público. “É preciso que haja maior consciência dos países lideres do mundo todo.”

Lula ainda teve tempo para lançar Suplicy ao prêmio Nobel da Paz. “O Brasil não tem Nobel da paz”, disse lembrando “candidatos” na sua opinião, como Josué de Castro; Dom Paulo Evaristo Arns; sua irmã, a médica Zilda Arns; o Brasil fora do Mapa da Fome; os 40 milhões retirados da extrema pobreza nos governos petistas. “Podíamos ter ganhado. Tem muita gente importante, mas não tem nenhuma pessoa que teve a dedicação que você tem de acabar com a miséria no mundo. Um dia quem sabe eles lembrem que aqui no Brasil tem um economista que dedicou grande parte da vida dele para ajudar o povo pobre desse país.”