HUMANIDADE

Em carta a mães de presos, juiz mostra que dignidade é direito incondicional

Três dias após a chacina do Jacarezinho, João Marcos Buch, da Vara de Execuções Penais de Joinville, diz que condições desumanas nos presídios são “penas não previstas na legislação e jamais aplicadas em sentenças”

Instagram / joaomarcosbuch
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João Marcos Buch entendeu ter obrigação de dar satisfação às mães de detentos

São Paulo – Em meio à desumana avalanche de argumentações, que ferem todos os princípios de respeito à vida, para justificar a matança na comunidade do Jacarezinho, o juiz da Vara de Execuções Penais de Joinville João Marcos Buch mostra que chacina não tem relação com Justiça. Em carta endereçada a mães de detentos, divulgada neste dominigo (9), Dia das Mães, ele condena as condições dos presídios brasileiros e promete defender a dignidade de todos que estão cumprindo pena.

“As condições das prisões neste país levam a pessoa presa a cumprir penas não previstas na legislação e jamais aplicadas em sentenças. Dormir no chão, passar fome, dor e medo, não está na lei, mas está no cárcere”, escreve, três dias após uma horda bolsonarista, inclusive o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, justificarem com o argumento “era tudo bandido” a morte de pelo menos 28 pessoas no Jacarezinho, Rio de Janeiro. No total, até o início da tarde de domingo, contava-se 29 vítimas fatais, sendo um policial.

“Como meu trabalho é executar penas e tendo em conta que as visitas presenciais estão suspensas pelo governo, neste dia, tenho o dever ético de me dirigir especialmente a você, mãe que possui filho que está preso”, diz, nas primeiras linhas da mensagem. “Não posso afirmar que a prisão está em boa situação e que o estado atende integralmente seu filho, não tenho como dizer que a coisa é assim, porque a coisa não é assim.”

‘Dignidade de todos nós’

A seguir, coloca ações que pratica em defesa do respeito aos sentenciados em um caminho oposto aos que bradam pela execução sumária de supostos infratores. “Saiba que seu filho está sendo olhado por mim, juiz, ser humando e, antes de tudo filho. Toda semana entro na prisão, cuidando muito com as normas sanitárias, e fico sabendo da situação do lado de lá. Em Joinville, seu filho possui água corrente ininterrupta, chuveiro quente, tem quatro refeições diárias”, elenca, sem deixar de lado reclamações sobre a qualidade da comida. João Marcos Buch continua afirmando que os presos sob sua jurisdição tem roupas e cobertores e são atendidos por equipes de saúde.

“Seu filho pede por você, pede por toda a família, pede por trabalho, educação, visita e pede também pelo processo. Há questões que eu não posso atender, existem regras a seguir, mas para o sim ou para o não, ele merece respostas e eu as dou, eu preciso que ele confie em mim, o juiz de sua causa”, acrescenta, já nas últimas linhas da carta. “Querida mãe, prometo que permanecerei fazendo o trabalho que me cabe, na busca incessantemente do respeito à dignidade da pessoa humana, dignidade de seu filho, dignidade de todos nós. Espero que essa carta lhe encontre bem”, encerra.


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