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Ativista Rodrigo Pilha denuncia violações de direitos no sistema carcerário

Em carta lida por sua mãe em ato de solidariedade em Brasília, Rodrigo Pilha protesta contra a truculência nas prisões e anuncia sua luta em “defesa de toda e qualquer vida humana que se encontra ‘custodiada’ pelo estado”

Reprodução / Facebook
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Rodrigo Pilha escreveu carta contra a práticas de violações de direitos humanos dentro das prisões

São Paulo – As violações de direitos humanos no sistema carcerário são denunciadas pelo ativista Rodrigo Grassi Cademartori, conhecido como Rodrigo Pilha, preso desde 18 de março, após colocar uma faixa chamando o presidente Jair Bolsonaro de “genocida” na Praça dos Três Poderes, em Brasília.

Rodrigo escreveu uma carta lida por sua mãe na quinta-feira (20) em um ato de solidariedade a ele realizado em Brasília. O ativista confirma as agressões que sofreu por parte de agentes penitenciários e denuncia a prática constante de tortura com outros presos.

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Desde abril, Pilha passou para o regime semiaberto (em que pode trabalhar, mas tem que voltar à prisão na parte da noite), e atualmente está encarcerado no Centro de Progressão Penitenciária, no Distrito Federal.

Confira a íntegra da carta de Rodrigo Pilha

Brasília, 19 de maio de 2021

Amigos, amigas, companheiros e companheiras, meus familiares,

Antes de tudo gostaria de dizer que serei eternamente grato a todas e todos pelo apoio recebido neste momento de extrema adversidade.

Na medida do possível, estou bem, mas por determinação da juíza da vara de execuções penais, estou impedido de falar em redes sociais ou quaisquer outros meios de comunicação sem autorização prévia, até mesmo para agradecer o carinho e apoio das pessoas.

Me sinto SUFOCADO com essa mordaça judicial!

E mais sufocado ainda, principalmente por não poder falar sobre todas as violações de direitos que já presenciei e que sigo acompanhando dentro do sistema.

Informo a vocês que o mesmo espancamento que sofri, as agressões verbais, as ameaças e as torturas psicológicas e físicas pelas quais passei por ser ativista de esquerda, eu também presenciei e ainda presencio as mesmas práticas em relação a outros apenados, e muitas das vezes, de maneira gratuita ou por mero sadismo das autoridades que as praticam.

Após passar pela “Papuda”, estou hoje no Centro de Progressão Penitenciária. Mas, mesmo no regime semi-aberto, presencio que, por parte de alguns agentes do sistema e principalmente por parte das chefias, quase tudo é motivo para insultos pessoais, ameaças de castigo ou regressão de regime a apenados.

Mais, as sanções ou castigos coletivos proibidos expressamente no parágrafo terceiro do artigo 45 da Lei de Execuções Penais, ocorrem cotidianamente e fazem parte da cultura do sistema penitenciário, tanto na “Papuda” (Regime Fechado) quanto no CPP (Semi-aberto).

Que modelo de reeducação é este baseado apenas em ameaças, agressões e castigos?

Que Centro de “Progressão” é esse em que ficamos dependendo da subjetividade e do humor de alguns agentes de determinado plantão para sermos acusados, julgados e sentenciados à castigos coletivos, individuais ou a regressão de regime por qualquer motivo?

É Centro de Progressão ou a base de Guantánamo?

É Centro de Progressão ou um campo de concentração nazista?

Queridas e queridos, minha luta não se trata mais apenas da defesa do ativista político “Pilha”, mas sim, da defesa de toda e qualquer vida humana que se encontra hoje “custodiada” pelo estado.

Infelizmente, tiros, porradas e bombas de efeito moral e gás de pimenta em reeducandos sentados apenas de cueca nos pátios, com as mãos na cabeça e em posição de rendimento, ocorrem inclusive no CPP, e são no mínimo excesso de uso da força, para não dizer TORTURA!

Na quinta-feira (13/05/21), a direção do CPP juntamente com agentes de outra Força de Segurança de outro estado da federação, fizeram a título de “treinamento”, uma operação igual à supracitada, à noite na ala B do Bloco 1. Pois é, nós, os reeducandos, servimos como cobaias para treinamentos policiais. Está certo isto?!

Resultado: Machucaram diversos internos e avisaram que em breve farão o mesmo na ala “A”, onde me encontro preso.

Para vocês terem ideia, a ala “B” é a ala dos estudantes e a ala “A”, a dos trabalhadores. Então, imaginem o que não ocorre na ala “H”, conhecida como “calabouço”, ou pior, nos pavilhões e blocos do regime fechado na “Papuda”!

Saibam, quando estive na “Papuda” e agora quando converso com detentos que chegam de lá para o regime semi-aberto, são diversos os relatos de espancamentos, torturas e até de presos que vieram a falecer pela truculência do DPOE, quando este agrupamento adentra os pátios para operar no que se costuma chamar de “bate-fundo” ou “geral”.

Enfim, se é verdade que há internos considerados de alta periculosidade (E para isto existem os presídios e regimes de segurança máxima), mais verdade é, que mais da metade da massa carcerária não cometeu crimes contra a vida e NÂO são “Serial Killers” ou bandidos de altíssima periculosidade. E ainda se fossem, o que a lei penal prevê é apenas a privativa de liberdade, e não, o direito dos agentes do estado em insultar, ameaçar, espancar, mutilar, torturar e até matar!

Sim, existem alguns agentes policiais humanistas e que nos tratam com cordialidade e respeito, mas infelizmente são uma pequena minoria que também é oprimida por uma maioria de agentes abusadores e truculentos.

Queridos e queridas, se outrora sempre acreditei nas mães pretas das periferias e favelas que denunciavam o abuso da força e torturas policiais contra seus filhos reeducandos, lhes digo que pelo que estou vivenciando, hoje posso dizer que tenho a certeza de que estas SEMPRE falavam a verdade!

Portanto, ouçam, acreditem e acolham estas mães, sempre que estas denunciaram tais abusos e torturas, pois esta é a mais pura verdade, nua e crua, de um sistema penitenciário perverso, cruel e até criminoso.

Compas, lá dentro do sistema, vejo nos olhos de jovens, idosos, deficientes e demais pessoas com quem converso, muita vontade de estudar, trabalhar ou ter apenas uma oportunidade para não se envolverem mais com atitudes fora da lei.

Ou seja, no que muitos enxergam apenas o “lixo” da sociedade, vejo muitos corações e almas que mesmo dentro do “inferno” ainda mantêm a esperança em voltar a ter uma vida sem envolvimento com crimes.

Repito, vejo DIVERSOS CORAÇÕES E ALMAS ESPERANÇOSOS mesmo dentro do INFERNO PENITENCIÁRIO!

Voltando ao “Pilha”, se os agentes que me espancaram e torturaram, pensaram que iriam me intimidar, mudar minhas convicções políticas, ideais e utopias, ou que iriam me calar através da violência covarde, pensaram mal e mexeram com o cara errado!

Pois agora é que o “Pilha” está ainda mais aguerrido e com muito mais vontade de lutar e defender a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos e as utopias de construir um mundo mais justo e igualitário.

Despertaram no “Pilha” que sempre defendeu causas coletivas, a vontade de lutar por uma nova causa “particular e coletiva”, que é, a luta contra um sistema carcerário excessivamente punitivista, corrupto, ineficiente e apodrecido por práticas medievais, desumanas, covardes e criminosas!

Por fim, sei do risco que corro em falar tudo isto mesmo por carta, mas minha essência ativista e de militante forjado na luta, jamais me permitiria ficar calado diante de toda e qualquer injustiça e violação de direitos, até mesmo no “Inferno”.

Eu seria um covarde e não teria coragem de me olhar no espelho, após sentir tais mazelas na própria pele, ver toda esta podridão do sistema penitenciário e ficar calado por medo de retaliações e perseguições.

Prefiro o risco da dignidade da luta, a me pôr de joelhos diante dos “poderosos” e coniventes com um sistema penitenciário dispendioso, violento, ineficiente, covarde, falido, e acima de tudo, INJUSTO!

Aconteça o que acontecer, JAMAIS VOU ME CALAR DIANTE DE INJUSTIÇAS!

E antes que eu me esqueça, FORA BOLSONARO GENOCIDA!

Há braços de luta.

Com carinho e gratidão eterna,

Rodrigo Pilha


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