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Exclusão digital no Brasil se agravou durante a pandemia

Em março, Bolsonaro vetou projeto que garantia internet grátis para alunos e professores da rede básica de educação

Álvaro Henrique / Secretaria de Educação do DF
Álvaro Henrique / Secretaria de Educação do DF
Pesquisa TIC Domicílios 2018 já mostrava que, em todo o país, 42% dos lares não possuíam computadores e pesquisadores já advertiam que a conectividade é bastante precária

São Paulo – Pesquisa sobre uso da internet durante a pandemia, realizada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, aponta que em 2020 o telefone celular foi o principal dispositivo usado para acompanhar as aulas e atividades remotas, sobretudo nas classes D e E, somando 54% deste segmento da população.
Desse total, 36% tiveram dificuldades para acompanhar as aulas por falta
ou baixa qualidade da conexão à internet, o que evidencia um cenário de exclusão digital no país.

A dificuldade encontrada por muitos em continuar estudando a distância,
fez com que a Câmara dos Deputados e o Senado aprovassem projeto que
garantia internet grátis para alunos e professores da rede básica de
educação. Porém, ao chegar nas mãos do presidente Jair Bolsonaro, a proposta foi vetada.

Segundo o sociólogo Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC e ex-presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação, o grau de desigualdade digital não é só no acesso instrumental, ou seja, na falta de um aparelho celular ou computador, mas também diz respeito ao alto custo dos planos.

“O grau de exclusão na desigualdade digital não é só no acesso, mas também no alto custo da banda larga no Brasil. A internet é um privilégio de áreas ricas, não temos uma expansão da banda larga igual a telefonia. Diante disso, o mercado o aposta em quem tem dinheiro para pagar e aumenta seus preços, sem levar uma infraestrutura para todos”, explica, à repórter Larissa Bohrer, da Rádio Brasil Atual.

Desigualdade digital

A pesquisa TIC Domicílios 2018 já mostrava que, em todo o país, 42% dos lares não possuíam computadores. Os pesquisadores também advertiam que a conectividade era bastante precária. “Muitas famílias não têm sequer televisão em casa, imagina ter uma boa internet”, observaram em reportagem da RBA publicada no ano passado.

Em 2014, a Organização das Nações Unidas (ONU) já havia avaliado que o acesso à internet é um direito humano do século 21. Porém, sete anos depois, a exclusão ainda é uma realidade no Brasil, como observa Marcelo Saldanha, ativista digital em defesa da internet como direito fundamental e presidente do Instituto Bem Estar Brasil.

“O mapa da Anatel sobre a concentração de serviços mostra a localização principalmente nas grandes cidades, na área litorânea e também em locais com maior poder aquisitivo. Há políticas econômicas que beneficiam essas empresas, o que imputa obrigações, mas as operadoras ignoram”, afirmou Saldanha.

Durante a pandemia, uma cena vista com muita frequência foram as enormes filas nas portas das agências da Caixa Econômica Federal para receber o auxílio emergencial. Sérgio Amadeu diz que as pessoas de baixa escolaridade são as que mais precisam do benefício e, muitas vezes, além de não saberem ou não terem como utilizar os aplicativos, se sentem mais seguras no atendimento presencial.

“Na verdade, nós estamos falando de pessoas mais vulneráveis que receberão o auxílio emergencial e, na maioria das vezes, possuem dificuldade para recarregar o plano pré-pago do celular. O governo não fez nada para reverter isso e segue desrespeitando essa parcela da população que precisa de apoio. Precisamos superar logo o governo Bolsonaro para termos políticas públicas no setor digital, sem entregar os dados da população”, defendeu.

Roubo de dados

A advogada do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Flávia Lefèvre, chama a atenção para outro problema relacionado à exclusão digital.

“Considerando que o Brasil é um país pobre, nós temos milhões de consumidores de internet com acesso restrito, pois 75% dos planos móveis contratados são pré-pagos franqueados. Ou seja, após esgotada a franquia, a navegação fica limitada ao Facebook e WhatsApp e as operadoras permitem esse acesso para que continuem coletando dados das pessoas, pois o modelo de negócio dessas empresas é sobre isso”, criticou.

De acordo com levantamento da Privacy Internacional, apesar de os usuários não autorizarem o uso de seus dados do Facebook, as informações são automaticamente compartilhadas com outras empresas.