Narrativa criminosa

Quem incita motim ‘despreza a segurança pública, a instituição policial e a vida dos policiais’

Para antropóloga Jacqueline Muniz, uso político da morte de PM na Bahia por bolsonaristas deixa explícito interesse em enfraquecer institucionalmente forças policiais e “manipular seus agentes”

Carolina Antunes/PR
Carolina Antunes/PR
"Governos conservadores e reacionários sempre pensaram que policial é 'pau mandado'. Não precisa estudar, ter os melhores equipamentos (...) Tem que ser tratado como indigente para que siga 'pau mandado' deles", observa a especialista

São Paulo – A tentativa de apropriação por bolsonaristas da narrativa sobre a história do policial militar que, em aparente surto psiquiátrico, tentou atirar em colegas da corporação e acabou sendo morto numa ação da PM na Bahia, revela que, para além do “desrespeito, da desumanidade e do mau caratismo”, os aliados do governo de Jair Bolsonaro têm “total desprezo pela segurança pública, a instituição policial e a vida dos policiais”. A crítica é da cientista política, antropóloga e especialista em Segurança Pública da Universidade Federal Fluminense, Jacqueline Muniz.  

Em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual, ela alerta que os bolsonaristas prestam um “desserviço” às instituições. A prova disso, de acordo com Jacqueline, são as fake news disparadas logo após a morte do soldado Wesley Soares Góes, no domingo (28). A ofensiva bolsonarista contou inclusive com o estímulo da presidenta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, a deputada Bia Kicis (PSL-DF). Sem evidência, a parlamentar associou a morte do policial a um ato de “resistência” do que chamou de “ordens ilegais” do governador Rui Costa (PT) em relação às medidas de contenção da pandemia. 

Na postagem, apagada nesta segunda (29) após amplas críticas, a presidenta da CCJ ainda incitava os policiais a se amotinaram contra seu chefe, o governador. Um uso “oportunista”, nas palavras da especialista, de alguém que morreu em sofrimento psíquico. À frente de pesquisas sobre a vitimização policial desde 1997, Jacqueline observa que, historicamente, a experimentação do trabalho de polícia leva a doenças principalmente de fundo nervoso, cardíacas e problemas psíquicos derivadas do esgotamento do ofício.

Bolsonaristas blefam

Para ela, a estética e a escolha do local de protesto do PM, o Farol da Barra, um dos principais pontos turísticos de Salvador, indicavam que, no momento de seu ato, Wesley estava “pedindo socorro a todos nós”. “Ele estava suplicando. Então, fazer uso dele como mobilização para o motim, além de desrespeitoso, é indigno e desumano. Mostra mais que o mau caratismo dessas pessoas. Mostra má fé e o total desprezo que elas têm pela segurança pública, pela instituição policial e pela vida dos policiais”, alerta. 

Jacqueline ainda adverte que a aparente proximidade do bolsonarismo em relação às forças policiais e mesmo das Forças Armadas nada mais é do que uma tentativa de “apropriação para aparelhar e manipular seus agentes”. Segundo a cientista política, Bolsonaro e seus aliados “criam falsos reconhecimentos por meio de medalhas colocadas no peito do policial. Mas em relação ao que é fundamental, como uma política de saúde e segurança ocupacional, uma reestruturação de carreira, valorização e especialização do trabalho de polícia, eles blefam”. 

Policial bom é policial ‘pau mandado’

Atuante em todas as reformas na área de segurança pública e justiça desde o governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), ela garante que apenas os governos progressistas, desde então, adotaram políticas de melhoria com reformas em relação aos agentes das forças de segurança. No atual governo, desde a gestão do ex-ministro da Segurança Pública e Justiça, Sergio Moro, nenhum programa sério de fato foi desenhado. 

“Governos conservadores e reacionários sempre pensaram que policial é ‘pau mandado’. Não precisa estudar, ter nível superior, nem mestrado e doutorado ou ter os melhores equipamentos. Tem que ser tratado como indigente para que siga ‘pau mandado’ deles. Portanto, todas as políticas de melhoria, reforma das condições, qualidade e institucionalidade das polícias foram feitas por governos progressistas. Fica todo mundo (bolsonaristas) ‘cantando de galo’. Mas desenhar políticas de defesa e segurança pública nunca vi”, observa Jacqueline Muniz. 

Confira a entrevista 

Redação: Clara Assunção


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