Quem mandou matar?

Marielle Franco, três anos: trocas, Bolsonaro e Witzel prejudicaram investigações

Três anos depois da execução de Marielle Franco e Anderson Gomes, familiares ainda cobram transparência das autoridades. Há muitas perguntas sem respostas

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"São três anos de muita dor e tristeza. Não é fácil saber que alguém planejou a morte de seu filho. A dor que sinto é a dor de todas as mães que perderam seus filhos", lamentou Marinete Silva

São Paulo – O assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e do motorista Anderson Gomes completa três anos neste domingo (14) ainda sem um desfecho da investigação. Tempo suficiente para “constranger” as autoridades brasileiras que ainda não conseguiram responder quem são os mandantes do crime, segundo os familiares de Marielle e Anderson. Eles ainda cobram transparência do governo e da Justiça do Rio de Janeiro sobre as investigações. 

“Estamos vendo empenho das autoridades, mas falta muito para a gente chegar aonde queremos. Pois precisamos saber sobre quem são os mandantes”, ressaltou a advogada e mãe da vereadora, Marinete Silva. O reforço à pergunta que ecoa há três anos, desde a noite do dia 14 de março de 2018, marcou a entrevista coletiva realizada nesta sexta-feira (12) pelo Instituto Marielle Franco e a Anistia Internacional, que divulgaram um dossiê com 14 questionamentos ligados ao crime e às apurações ainda sem respostas. 

A avaliação da diretora executiva do Instituto Marielle Franco, Anielle Franco, irmã da vereadora, é de que as eleições do presidente Jair Bolsonaro, e do agora afastado governador do Rio, Wilson Witzel, em outubro de 2018, “impactaram no rumo das investigações”.

Lentidão nas investigações

“É inegável que a eleição de Bolsonaro, por exemplo, e do Witzel, trouxeram insegurança para o andamento das investigações e desconfiança inclusive das instituições. E quando eu falo desse impacto é também sobre os discursos de ódio e os ataques que vínhamos sofrendo. As desinformações, fake news, tudo isso construiu e ainda constrói um cenário que dificulta sim que as investigações desenrolem com máxima urgência”, explicou Anielle. 

A diretora executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck, também confirma que o atual “ambiente político”, “não favorece as movimentações em relação à justiça”. Mas a diretora ressalta que a responsabilidade de apresentar as respostas nesse momento está com o estado do Rio de Janeiro que, de acordo com ela, tem se omitido do dever da transparência. 

Jurema lamentou, por exemplo, a falta de resposta do governador em exercício Cláudio Castro e do procurador-geral da Justiça do Rio, Luciano Mattos, quanto a um pedido de audiência dos familiares de Marielle e Anderson para se inteirar sobre a investigação do crime político. As organizações haviam encaminhado uma proposta de encontro virtual, no início de março, para esta sexta, onde também apresentariam o dossiê e uma petição assinada por 1 milhão de pessoas, de todo o mundo, pedindo por justiça. 

Três anos sem respostas

A solicitação, no entanto, não foi respondida. Só após a coletiva, às 11h, governador divulgou à imprensa que a audiência seria marcada para a próxima quinta. “É inadmissível que três anos depois não tenhamos a solução definitiva desse caso e uma comunicação clara por parte das autoridades”, criticou a diretora executiva da Anistia. “Não podemos aceitar que as autoridades não tenham uma resposta a essa tentativa de silenciamento”. 

As sucessivas mudanças nas administrações e nos órgãos de investigações, com trocas de delegados e promotores ao longo do caso, também contribuíram na avaliação dos familiares para a falta de celeridade nas investigações. A companheira de Anderson Gomes, Ágatha Reis, observou que a descontinuidade “atrapalhou bastante”. “Toda pessoa que começa tem que pegar lá do início (o processo), se inteirar de tudo o que aconteceu e às vezes com uma linha não tão parecida. E aí começam diligências completamente diferentes.”

“Na pandemia a sensação é de que ficaram paradas as investigações. Três anos é muito tempo, pode não ser para quem investiga, mas cada dia que passa só aumenta a dor. Espero que não passem mais três anos e que a gente tenha uma resposta logo”, reivindicou.

O caso hoje

Apesar da espera pelo desfecho das investigações, a expectativa das famílias é positiva quanto a força-tarefa, anunciada no último dia 4 pelo Ministério Público, que atuará especificamente sobre o caso. O grupo será chefiado pela promotora Simone Sibilio, a responsável por denunciar Ronnie Lessa e Élcio Queiroz como os executores de Marielle e Anderson. Os dois estão presos desde março de 2019 e irão a júri popular, ainda sem data de julgamento. 

Marinete tem a esperança que os assassinos, diante de uma condenação mais alta, revelem os nomes dos autores intelectuais do crime. 

Enfrentamento da violência política

“A história de Marielle é de uma mulher que vem da periferia para fazer o que esperávamos que fizesse. O que ela fez que incomodou tanto para ter uma morte tão trágica como essa? Nenhuma mãe merece passar por isso. São três anos de muita dor e tristeza. Não é fácil saber que alguém planejou a morte de seu filho. A dor que sinto é a dor de todas as mães que perderam seus filhos”, afirmou Marinete. A mãe da vereadora ainda advertiu que a “mesma barbárie” que aconteceu contra sua filha, está vitimando outras mulheres negras parlamentares.

Para impedir que a brutalidade se repita, o Instituto Marielle Franco também preparou um pacote legislativo para instituir, em várias cidades, no dia 14 de março, o Dia Marielle Franco de Enfrentamento à Violência Política Contra Mulheres Negras, LGBTQIA+ e Periféricas. As medidas já conta com apoio de 70 vereadores de mais de 45 municípios. E agrupam projetos de lei elaborados pelo mandato de Marielle no Rio. A ideia, segundo sua irmã, é “fazer Marielle, não só falar”. 

Jurema Werneck conclui que o Brasil “precisa agradecer a essas famílias que superam a dor para lutar por justiça e dignidade. Porque seus entes queridos, Marielle Franco e Anderson Gomes não vão voltar. Mas ainda assim as famílias ultrapassam, superam e colocam a dor como motor para produzir justiça no Brasil. O Brasil precisa ser um país onde lutar por justiça, segurança pública, dignidade da população negra e pelos direitos das pessoas que moram na favelas sejam reconhecidos como um bem. E essas pessoas que lutam precisam ser protegidas, não atacadas”.

Perguntas

Todo o caminho de luta por justiça, compilado no dossiê do caso, sistematiza as questões mais importantes a respeito das investigações. Entre elas, a trajetória das balas que vitimaram Marielle e Anderson. No local do assassinato, no centro do Rio, a polícia recolheu uma dezena de cápsulas e descobriu que a munição usada pertencia a um lote extraviado da Polícia Federal. Até hoje, porém, as famílias não sabem das conclusões sobre o desvio.  

Outra pergunta em aberto é quanto ao responsável por ter desligado as câmeras de segurança do trajeto de Marielle e Anderson. Em 2019, a Delegacia de Homicídios (DH) fluminense também apontou o envolvimento de Lucas do Prado Nascimento da Silva, conhecido como Todynho, como o responsável por clonar os documentos do Cobalt prata, o veículo usado pelos assassinos na noite do crime. 

O suspeito foi executado 20 dias depois da morte de Marielle, em provável queima de arquivo. Mas o Instituto Marielle Franco e a Anistia Internacional questionam se há ligação dele com o grupo de milicianos Escritório do Crime, chefiado por Adriano da Nóbrega. Os autores do dossiê também buscam respostas quanto às diversas trocas de comando da DH e na Polícia Federal do Rio, se houve fraude nas investigações, e por que até agora o Google não entregou os dados dos suspeitos já solicitados pelo MP-RJ e a Polícia Civil. A empresa trava uma disputa no repasse das informações que podem identificar quem são os mandantes do crime.

Em aberto

A família também pergunta se o interrogatório de Ronnie Lessa, sobre o caso do porteiro, foi entregue aos órgãos responsáveis pelas investigações. O presidente Jair Bolsonaro havia informado que a PF teria ouvido Lessa sobre o caso, após ver seu nome ser citado por um funcionário como o responsável por autorizar a entrada de Élcio de Queiroz no condomínio onde o acusado pela execução do crime e o presidente são vizinhos. 

O governo brasileiro também até hoje não forneceu todas as informações requisitadas pelo Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). A pergunta sobre o por quê dessa atuação do Estado também permanece em aberto no caso Marielle e Anderson.


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