Tempo sombrio

Marcia Tiburi e Jean Wyllys falam sobre exílio do ‘Brasil de Bolsonaro’

Cresce o número de ativistas como Marcia Tiburi, Jean Wyllys, Debora Diniz e Larissa Bombardi, exilados para poder continuar a incomodar poderosos

Reprodução/Twitter Debora Diniz
Reprodução/Twitter Debora Diniz
Marcia, Jean Wyllys e Déborah juntos em foto de 2019

Redação – A decisão da pesquisadora Larissa Miles Bombardi, do Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo, não é o primeiro caso de exílio em meio à violência do bolsonarismo. Larissa se soma a diversos brasileiros que tiveram de deixar o país para poder continuar atuando e ao mesmo tempo se proteger de ameaças. O ex-deputado federal Jean Wyllys, a filósofa Marcia Tiburi, a antropóloga Débora Diniz e o escritor e ativista Anderson França, entre outros, são vítimas da mesma intolerância e política do ódio que, neste momento, obrigam a geógrafa ao exílio. 

Em entrevista ao Brasil de Fato, Jean Wyllys e Marcia Tiburi analisam as engrenagens por trás desse violento processo. “Eu senti o peso dessa gente nefasta muito antes de ela se materializar num governo genocida que só encontra paralelo no nazismo”, afirma o ex-deputado federal pelo Psol, que hoje vive na Espanha. Tiburi lembra que a ideia de que não poderia mais permanecer em seu país de origem se concretizou após ameaças a um evento do qual participou na Festa Literária Internacional de Maringá (Flim). Sua presença foi hostilizada por parlamentares e pelo Movimento Brasil Livre (MBL). 

A possibilidade de um violento episódio acontecer dividiu a população da cidade e a organização do evento contratou uma segurança armada para acompanhar a conversa. “Naquele dia, quando me vi nessa situação e pensei que alguém poderia morrer no meu lugar, que não era só eu ameaçada de morte, mas todo público que me apoiava, que gosta de mim, que lê minhas coisas, me dei conta que, para defendê-los, deveria me retirar do país. Quando Bolsonaro venceu fui embora para os Estados Unidos. Não pisei no Brasil governado por esse projeto fascista”, afirma Marcia Tiburi. 

Ameaças e impunidade

Desde 2011, quando assumiu o primeiro mandato, o então deputado (Psol-RJ) já enfrentava ameaças de morte por parte de grupos de extrema direita. Ele conta que tentou garantir, de todos os modos, uma segurança mínima para permanecer no Brasil, mas não teve suporte dos órgãos responsáveis. “A Polícia Federal não moveu uma palha para desvendar quem estava por trás e financiava o terrorismo do qual eu era e sigo sendo vítima. Fiz 17 denúncias que resultaram em nada”, detalha.

“A criminosa e pesada campanha de destruição da minha imagem pública com fake news e mentiras e a execução covarde e brutal de Marielle Franco deram-me a exata medida do perigo real que eu corria e o vislumbre do que o Brasil se transformaria quando o genocida tomasse posse”. Wyllys abriu mão do mandato e deixou o país em janeiro de 2019, no primeiro mês do governo Bolsonaro. Viveu na Alemanha, nos Estados Unidos e hoje dedica-se à carreira acadêmica em Barcelona, onde faz doutorado sobre fake news e discursos de ódio. 

Os mecanismos de perseguição contra Jean Wyllys são exatamente os mesmos que fizeram com que Marcia Tiburi anunciasse sua saída do país, em março do mesmo ano. Depois de um período nos Estados Unidos, ela mudou-se para França, também acolhida por uma instituição acadêmica. “Nunca mais fui pro Brasil, nunca mais vi minha família. Meu marido pôde ficar um tempo de licença na França, mas faz mais de um ano que não está aqui”, explica. “Eu sigo aqui como uma pessoa exilada, nesse momento, protegida pela universidade francesa. O Brasil entrou no mapa de países onde ocorrem essas perseguições.”

Futuro ameaçado

O machismo e a misoginia também causaram linchamentos virtuais e ameaças contra Débora Diniz, professora da Universidade de Brasília (UnB). A antropóloga foi amplamente hostilizada após debate pelo direito ao aborto até a 12ª semana de gestação no Supremo Tribunal Federal, em agosto de 2018. Ameaçada de morte, Diniz e família deixaram o país aconselhados pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos do governo federal.

Exílio, perseguição, governo militarizado e violência deliberada. Como se não bastassem as semelhanças com os anos de chumbo, o governo Bolsonaro tem utilizado a Lei de Segurança Nacional para enquadrar críticos a sua gestão. A exemplo do youtuber Felipe Neto e do militante Rodrigo Pilha.

Tiburi lembra o ministro do Supremo Ricardo Lewandowski, o citar o uso da lei como “fóssil jurídico” que estabelece nexo entre ditadura e dias atuais. “O que o Brasil está vivendo hoje é muito parecido com o que a Alemanha viveu no período nazista. E não podemos dizer que não avisamos. Eu avisei”, endossa a filósofa, que não tem perspectiva de retornar ao país apesar de todas as implicações de seu exílio. “Eu não voltarei para o Brasil governado por Bolsonaro, mas voltarei para o Brasil governado pela democracia. Espero que haja eleições em 2022”. 

Leia a reportagem completa de Lu Sodré, no Brasil de Fato


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