Insegurança digital

Vazamento de dados denuncia falta de fiscalização de empresas no país

Mais de 102 milhões de contas de celular foram expostas. Advogada do Intervozes adverte sobre atraso na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais

Marcello Casal Jr./EBC
Marcello Casal Jr./EBC
Em janeiro, dados de todos os brasileiros foram vazados. Autoridade Nacional, responsável pela investigação, está "nas mãos da presidência da República" sem ter de fato independência técnica, avalia Flávia Lefèvre

São Paulo – Em menos de um mês após o enorme vazamento de dados que expôs informações sensíveis de todos os brasileiros, um novo vazamento na internet pode ter aberto mais de 102 milhões de contas de celular. De acordo com a startup de cibersegurança PSafe, as contas seriam de usuários das operadoras Vivo e Claro. E envolvem, além do número de celular, nomes e endereços completos do assinantes das linhas, minutos gastos em ligação, entre outras informações pessoais. 

A companhia, que também havia descoberto o incidente de segurança em janeiro com os dados de 223 milhões de brasileiros, confirma ainda que, desde o dia 3 de fevereiro, as informações das contas vazadas estão sendo comercializadas em fóruns virtuais da chamada deep web. A Psafe entrou em contato com o hacker para verificar a veracidade das informações. Foi ele quem afirmou que as contas teriam sido extraídas da base de dados das duas operadoras. Segundo o cibercriminoso, ele teria 57,2 milhões de contas telefônicas da Vivo e 45,6 milhões de contas da Claro. 

Ao jornal O Estado de S. Paulo, a Vivo alegou que “não teve incidente de vazamento de dados”. E destacou que “possui os mais rígidos controles nos acessos aos dados dos seus consumidores e no combate às práticas que possam ameaçar a sua privacidade”. A Claro também negou que tenha ocorrido falhas no sistema, mas, à Folha de S. Paulo, declarou que abrirá uma investigação. 

Vazamentos em série

Entre as contas, estão também os dados do presidente Jair Bolsonaro. A PSafe disse à imprensa já ter informado à Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) sobre o novo vazamento de dados. 

A advogada do Coletivo Brasil de Comunicação Social (Intervozes) Flávia Lefèvre adverte, contudo, que no Brasil os “vazamentos em série” têm sido uma constante. Informações de 243 milhões de pessoas também foram expostas após falha do Ministério da Saúde, em dezembro do ano passado, por exemplo. 

Em entrevista a Maria Teresa Cruz, do Jornal Brasil Atual, ela avalia que esses vazamentos denunciam “um problema de falta de instrumental institucional para regular e fiscalizar os grandes bancos de dados públicos e privados”. Uma vez que quanto maior e mais volumoso o banco de informações, segundo a advogada, “mais difíceis, caras e complexas são as medidas de segurança”. 

Autoridade sem independência

De acordo com ela, apesar da aprovação da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) em 2018, e da instalação, um ano depois, da ANPD, responsável pela investigação, a implementação tardia desses mecanismos coloca uma série de problemas ao país. “Já tínhamos mais de 110 países com suas leis de proteção de dados. Isso dificulta que haja uma cultura na sociedade de proteção de dados pessoais”, explica Flávia. 

Além disso, segundo ela, outro “problema grave” é que a Autoridade Nacional está “dentro da Presidência da República” e não teve sua implementação de fato concluída. Apesar da lei garantir independência técnica à ANPD, Bolsonaro fez a nomeação dos cinco diretores, entre eles, três militares. Na estrutura, o coronel reformado do Exército e presidente da Telebras, Waldemar Gonçalves Ortunho Junior, foi escolhido como diretor-presidente do órgão. Também ocupam cargos na direção o militar reformado e assessor da presidência da Telebras, Joacil Basílio Rael, e o tenente-coronel Arthur Pereira Sabbat, diretor do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). 

Um “claro conflito de interesses”, na avaliação de Flávia. “Então estamos na mão da presidência da República, da definição dessas questões todas e que implicam na segurança de dados públicos também. Isso gera um conflito claro de interesses e que nos coloca, como cidadãos e consumidores, numa situação de grande vulnerabilidade”, contesta a advogada do Intervozes. 

Confira a entrevista

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima


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