Visibilidade trans

PL propõe reserva de vagas para pessoas trans em empresas beneficiadas pelo Estado

De autoria do deputado Alexandre Padilha (PT), projeto, que define cota de 3% para a contratação de travestis e transexuais, conta também com apoio de entidades. “É uma contrapartida social”

Agência Patrícia Galvão
Agência Patrícia Galvão
De acordo com o deputado, objetivo do PL é "estimular a contratação de pessoas transgêneras para superar tamanha exclusão e vulnerabilidade" impostas à elas

São Paulo – Projeto de lei elaborado pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-SP) institui que um mínimo de 3% das vagas de trabalho, em empresas beneficiadas pela União, sejam destinadas a pessoas transexuais e travestis. De acordo com o texto, a cota será obrigatória às companhias que receberem incentivos fiscais, ou que tenham licitações, contratos ou convênios com o governo federal. A mesma proporção também valerá para a contratação da população trans em programas de estágio e treinamento. 

O projeto foi apresentado nesta sexta-feira (29), Dia Nacional da Visibilidade Trans e deve ser protocolado oficialmente na Câmara dos Deputados na próxima quarta (3). Será neste dia que ocorrerá a abertura do ano legislativo. O objetivo, segundo o parlamentar, é “estimular a contratação de pessoas transgêneras para superar tamanha vulnerabilidade, que impõem a estas pessoas índices terríveis de exclusão, desemprego e assassinatos”, justifica no PL. 

Dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), divulgado hoje, revelou que, em meio à pandemia, o Brasil registrou recorde de transfeminicídio em 2020. Pelo menos 175 mulheres transexuais e travestis foram assassinadas no ano passado – média de uma morte a cada dois dias. Superando o total de casos de 2019 e 2017, que registraram 124 e 169 mortes, respectivamente. O dado também assegurou a posição do país como o que mais mata a população trans em todo o mundo. 

Exclusão do mercado de trabalho 

A comparação é realizada por dados internacionais da ONG Transgender Europe, que mostram desde 2008 o Brasil na liderança do ranking. A organização avalia que uma das causas para essa violência “está na vulnerabilidade dessas pessoas, ao trabalharem na prostituição”. Historicamente, a Antra registra que 90% das pessoas trans têm na prostituição sua única fonte de renda

Na justificativa de seu projeto, Padilha avalia que o apontamento “indiretamente revela um dos maiores obstáculos para os transgêneros brasileiros: a exclusão do mercado de trabalho”. 

Elaborado com apoio de movimentos, entidades e da comunidade trans, o PL também conta com a aprovação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT). A presidenta da organização, Symmy Larrat, reforça a denúncia do parlamentar, lembrando ainda que, além da prostituição não ser uma escolha, ela é também “resultado de uma exclusão do acesso a tudo”. 

A transfobia

“Começa na expulsão familiar, depois ela precisa sobreviver e não está na escola. Se ela não tem escola, ela não tem formação. Se não tem formação, não tem outra qualificação e acaba recorrendo à prostituição porque o mercado de trabalho não absorve”, afirma Symmy. Até 2019, a Antra mostrava que menos de 1% das pessoas trans tinham acesso ao ensino superior. A grande maioria (59%) não possuía sequer o ensino fundamental. Um cenário de exclusão que é alimentado pela transfobia. 

“É muito comum os relatos de pessoas que chegam a uma entrevista de emprego, mas esse emprego é negado quando o empregador percebe e se depara com uma pessoa trans”, diz a ativista. O preconceito, ainda segundo ela, permanece mesmo quando a pessoa já está empregada. “Primeiro a gente luta para entrar, depois temos que lutar para se manter. É uma luta diária, constante, não cessa com a entrada no mercado de trabalho. “Porque o assédio moral é grande. E você tem assédio moral não só dos superiores, mas de outros colegas de trabalho”, descreve. 

Empregabilidade

Para tentar impedir algumas destas agressões, o PL de Alexandre Padilha garante em texto “o respeito à expressão de identidade de gênero por meio do uso do nome social e o modo de vestir, falar ou maneirismo”. Também fica atestado “o uso do banheiro do gênero com o qual a pessoa se identifica e a realização de modificações corporais e de aparência física”. 

A batalha, contudo, será pela aprovação do projeto dentro de um Congresso Nacional “extremamente conservador”. E que, como critica a presidenta da ABGLT, atua para “tirar ou impedir direito à essa população”. Iniciativas semelhantes a do deputado também tramitam em outras em algumas Câmaras municipais, mas estão travadas pela oposição de vereadores reacionários. A expectativa de Padilha, no entanto, é conseguir o apoio de deputados e deputadas para serem coautores do projeto. 

Contrapartida social

Symmy acredita que o projeto pode ter sua tramitação facilitada por garantir a reserva de vagas dentro de empresas que já são beneficiadas pelo Estado. “A gente sabe que essas empresas ganham bem. Então elas precisam dar uma contrapartida social, uma resposta para a sociedade, não é só para o governo. Promovendo um benefício que, no caso, é para uma população que é extremamente vulnerabilizada, colocada para fora. E que a partir de decisões como essa podem se ver tendo oportunidades de emprego que antes ela teria com mais dificuldades”, defende. 

Diversos setores em funcionamento no país contam com incentivos fiscais da União, desde tecnologia da informação ao automobilístico. Somados, os incentivos, em 21 anos, chegam à casa de R$ 69 bilhões, conforme reportagem da Folha de S. Paulo

“É preciso que a gente crie regras e caminhos para forçar essa entrada (de pessoas trans) até que isso seja naturalizado. Não queremos ter legislações que pensem em cotas e nesse tipo de participação de forma eterna. Nós pensamos elas como um grande passo para que a humanidade seja conquistada, essa perseguição cesse e a gente possa naturalizar as convivências e as relações”, conclui a presidenta da ABGLT. 

Se aprovado, o PL do deputado do PT também colocará as empresas sujeitas a perdas dos incentivos fiscais ou à rescisão do contrato em caso de descumprimento da lei.


Leia também


Últimas notícias