Vergonha

Sem políticas públicas, Brasil ainda é o país que mais mata pessoas trans

No Dia da Visibilidade Trans, relatório revela aumento de 41% no número de assassinatos de pessoas transexuais e travestis, a maioria delas negras

Tomaz Silva/EBC
Tomaz Silva/EBC
Dossiê anual da Antra mostra que 175 mulheres transexuais e travestis foram assassinadas em 2020

São Paulo – Pelo menos 175 mulheres transexuais e travestis foram assassinadas em 2020, de acordo com dossiê anual da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). Um aumento de 41% na comparação com o ano anterior, quando 124 mortes foram registradas. E de 201% em relação a 2008, ano em que 58 assassinatos foram registrados. Divulgado nesta sexta-feira (29), Dia Nacional da Visibilidade Trans, o relatório endossa a posição do Brasil como o país que mais mata pessoas transgênero em todo o mundo. Liderança que ocupa há 12 anos, conforme dados internacionais da ONG Transgender Europe (TGEU). 

Os números mostram ainda que, mesmo no ano da pandemia, que levou a população trans a uma situação de vulnerabilidade socioeconômica ainda maior, já nos primeiros oito meses, o Brasil havia ultrapassado o total de mortes notificadas em 2019, com 132 assassinatos. Em entrevista à repórter Larissa Bohrer, da Rádio Brasil Atual, a presidenta da Antra, Keila Simpson, adverte, contudo, que, apesar dos números já alarmantes, a violência contra as pessoas trans pode ser ainda maior. De acordo com Keila, há “um outro grande número de pessoas assassinadas que não é contabilizado” e está escondido pela subnotificação. “É preciso olhar esses dados, como dados que são apenas a ponta de iceberg”, observa. 

Projeto prevê cota

Empresas beneficiadas por algum incentivo fiscal, que participem de licitação, mantenham contrato ou convênio com o Poder Público Federal, com mais de cem empregados, deverão ter pelo menos 3% de seu quadro de pessoal preenchido por pessoas autodeclaradas travestis e transexuais. A proposta integra projeto de lei a ser apresentado pelo deputado federal Alexandre Padilha (PT-São Paulo). A mesma reserva de vagas vale para estágios e trainees.

Os números mostram ainda que, mesmo no ano da pandemia, que levou a população trans a uma situação de vulnerabilidade socioeconômica ainda maior, já nos primeiros oito meses, o Brasil havia ultrapassado o total de mortes notificadas em 2019, com 132 assassinatos. Em entrevista à repórter Larissa Bohrer, da Rádio Brasil Atual, a presidenta da Antra, Keila Simpson, adverte, contudo, que, apesar dos números já alarmantes, a violência contra as pessoas trans pode ser ainda maior. De acordo com Keila, há “um outro grande número de pessoas assassinadas que não é contabilizado” e está escondido pela subnotificação. “É preciso olhar esses dados, como dados que são apenas a ponta de iceberg”, observa. 

Mortes têm cor e gênero

A presidenta da Antra também chama atenção para o perfil das vítimas. No ano de 2020, todos os assassinatos foram cometidos contra travestis e mulheres trans. Em sua maioria negras (78%), semianalfabetas e que tinham na prostituição sua única fonte de renda. “A população de mais baixa renda continua sendo assassinada dentro de um processo de ser dizimada. Todas as pessoas mortas ostentavam o gênero feminino. Logo os relatos de aumento de feminicídio a gente consegue comparar que o que está tentando se dizimar da face da terra é a população feminina. Seja ela cisgênero (que se identifica com o gênero atribuído no nascimento) ou trans”, avalia Keila. 

O dossiê também adverte sobre a “omissão do Estado” frente a esses dados. São Paulo, por exemplo, apresentou a segunda alta consecutiva e foi o ente com o maior registro de mortes. Ao menos 29 assassinatos foram contabilizados. Um aumento de 38% com relação a 2019 que, naquele ano, já havia apresentado um crescimento de 50% dos casos na comparação com 2018. Na sequência, Ceará (22 casos), Bahia (19 casos), Minas Gerais (17 casos) ficaram entre os entes com mais mortes. Para a entidade, os governos federal e estaduais “ignoram as pesquisas e denúncias feitas pelas instituições que lutam pelos direitos humanos da população LGBTI”. 

Faltam políticas públicas

O presidente da Casa Neon Cunha, que atende pessoas LGBT+ na região do ABC Paulista, Paulo Araújo, ressalta à repórter Larissa Bohrer que o “principal dado” de toda essa violência contra pessoas transgênero “é a ausência de políticas públicas”. A instituição também divulgou nesta sexta um relatório anual sobre essas mortes. O documento mostra que dos 304 casos de assassinatos de pessoas LGBTs, registrados no Brasil, cinco foram apenas em São Bernardo do Campo. Todas eram travestis. 

Do total de vítimas, quatro morreram em locais públicos, e três delas foram executadas durante trabalho na prostituição. “O principal fato hoje é a ausência de políticas públicas, principalmente na saúde e na segurança pública”, aponta. 

Toda essa violência, para as entidades, evidencia que essa parcela da população que diariamente luta pela própria vida e existência, além de batalhar pelo trabalho digno e políticas de saúde, também precisa lutar contra a violência.

Confira a reportagem

Redação: Clara Assunção – Edição: Helder Lima


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