Escalada autoritária

‘Hoje seria impossível escrever a Declaração Universal dos Direitos Humanos’

Nos 72 anos da Declaração, ex-ministro Paulo Sérgio Pinheiro faz análise da situação dos direitos humanos no Brasil, tema de debate online nesta segunda (14)

Rovena Rosa/EBC
Rovena Rosa/EBC
"Você não vê nenhum grande empresário, banqueiro se alarmando com a continuação da execução por policiais militares. A continuação dos assassinatos de crianças", critica ex-ministro

São Paulo – Do governo de José Sarney (1985-1990) ao governo de Dilma Rousseff (2011-2016), em 30 anos de gestões democráticas, nenhum governo se parece ao do atual mandatário Jair Bolsonaro. A avaliação é do ex-ministro da Secretaria de Estado de Direitos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso, Paulo Sérgio Pinheiro. Ele acrescenta ainda que nestes dois últimos anos, trajetória de garantia e proteção aos Direitos Humanos mudou.

Nos 72 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, completados em 10 de dezembro, a situação do Brasil “não tem absolutamente nada a se comemorar”, como destaca o ex-ministro, também integrante da Comissão Arns. 

Em entrevista à Maria Teresa Cruz, no Jornal Brasil Atual, Pinheiro traça um panorama sobre o país. O tema pautará debate online, desta segunda-feira (14), promovido pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), onde é pesquisador associado. O evento contará ainda com a participação do padre Júlio Lancellotti, da advogada Dina Alves, da fundadora do Movimento Mães em Luto da zona leste de São Paulo, Solange de Oliveira, e da socióloga e cientista política Maria Victoria Benevides. As diferentes vozes na luta pelas garantias fundamentais avaliam os retrocessos vividos pelo país, apontando também os caminhos para continuar na resistência. O debate, que será transmitido no canal Youtube do NEV-USP, está marcado para às 15h.

Negando a pandemia e os direitos

A pandemia, que agravou desigualdades e deflagrou uma nova série de violações, também será central no evento diante da insistência do governo Bolsonaro em negar a realidade. Atualmente, comenta Pinheiro, é o negacionismo que “imita” a postura do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que vem também em paralelo “negando os direitos da população pobre e da população negra”. “Esse horror aos negros, às mulheres e aos povos indígenas, essa dificuldade que governo tem em se dedicar a sua população e não somente a suas elites”, avalia. 

“Ainda que seja uma fantasia, creio que hoje seria impossível escrever a Declaração Universal dos Direitos Humanos como ela está escrita, dadas as dificuldades, os desrespeitos às garantias do cidadãos em inúmeros países. Especialmente aqueles como o Brasil que optaram pela escalada autoritária”, observa o ex-ministro. 

De acordo com Pinheiro, o mais “assustador” de todos esses retrocessos é a aprovação de uma “agenda de direitos humanos” pela minoria branca que forma a elite econômica. “O governo pode fazer absolutamente tudo. Enquanto ele avançar com as controvertidas reformas, vale tudo. Não se vê nenhum grande empresário e banqueiro se alarmando com a continuação da execução por policiais militares, dos assassinatos de crianças, das balas perdidas, dos acontecimentos de racismo e do enfrentamento dos povos indígenas. Ou a maneira criminosa com que o governo está lidando desde o seu começo com a pandemia de covid-19”, contesta. 

O papel das instituições

A responsabilidade desses ataques, como adverte, é também das instituições. “Temos mais de 40 pedidos de impeachment no Congresso e nenhum foi considerado. E o presidente, a cada dia, infringe a lei sobre impeachment. O Supremo Tribunal Federal também não julga ou coloca em julgamento as várias ações (contra o governo Bolsonaro). Quer dizer, é uma responsabilidade compartilhada”, pontua. “Os responsáveis são as elites educadas, as elites brancas, que continuam apoiando esse governo em todas as frentes.” 

Para o ex-ministro, se há algo para celebrar é a resistência dos defensores e das organizações de direitos humanos que se mantêm na luta “apesar de atacados, até fisicamente”. O integrante da Comissão Arns destaca que este é, aliás, o único caminho: a “resistência democrática”, principalmente com os partidos políticos. 

“A reconquista do poder político das mãos da extrema direita só pode se dar na última instância na cena política, com os partidos. Não tenho dúvida que o atual chefe de governo vai ser reeleito se as esquerdas democráticas não se juntarem”, analisa.

Artigos

No debate desta segunda, o NEV-USP também abordará o plano de retomada do “Relatório da Situação de Direitos Humanos”, publicação que vem sendo realizada pelo núcleo nos últimos 20 anos. Os pesquisadores preparam um novo relatório com dados inéditos e textos produzidos entre dezembro de 2020 a outubro de 2021. Todos os artigos analíticos serão publicados online e, no próximo ano, eles irão compor também um e-book com o panorama completo da situação dos direitos humanos no Brasil. 

Você pode conferir o debate, a partir das 15h, clicando aqui.

Confira a entrevista 

Redação: Clara Assunção. Edição: Glauco Faria


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