Direitos humanos

Para Paulo Abrão, momento é de resistir, reunir forças e ‘defender a democracia’

Para o ex-secretário da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a sociedade brasileira “começa a se reorganizar”

Metrópoles Reprodução
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Comissão da Verdade foi 'ápice', diz Abrão. Mas 'essas batalhas nunca foram fáceis'

São Paulo – Excluído recentemente da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), o advogado brasileiro Paulo Abrão afirma que este é um momento de resistência e reorganização diante da ofensiva conservadora. “O que está nos faltando é coordenação, uma compreensão clara de que fomos derrotados. Tem que assumir essa derrota. Temos que aproveitar para reacumular forças”, afirmou.

Ex-secretário nacional da Justiça e ex-presidente da Comissão de Anistia, Abrão participou na tarde desta sexta-feira (13) de debate promovido pela Comissão da Memória e Verdade da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Participaram Maria Paula Araújo (do Instituto de História da universidade), Nadine Borges (Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil), Regina Novaes (Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ), Tatiana Roque (Fórum de Ciência e Cultura e Instituto de Matemática) e Vera Vital Brasil (Fórum de Memória e Reparação do Rio), além do atual coordenador do colegiado, o professor José Sérgio Leite Lopes.

OEA: pressão política

Secretário-executivo desde 2016, Abrão havia sido reeleito em janeiro, por unanimidade para novo mandato. Mas o secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA, à qual a Comissão é vinculada), Luis Almagro, negou a renovação contratual. Ele alegou que havia queixas internas de funcionários, mas existe desconfiança de que houve pressão política. Para o colunista Jamil Chade, do portal UOL, por exemplo, Abrão foi “derrubado” pelo chefe da OEA. Segundo o jornalista, Almagro “foi pressionado a não renovar o mandato do brasileiro, que tinha a função de apurar violações de direitos humanos pelo continente”.

A medida abriu uma crise entre a OEA e Comissão Interamericana, que em nota de setembro expressou “seu profundo rechaço” à decisão de Almagro, que “rompe uma prática estabelecida por mais de 20 anos de respeito à decisão da CIDH” de nomear seus secretários-executivos. “Durante a gestão de Abrão, a CIDH alcançou avanços e resultados inéditos para o sistema de casos, petições e medidas cautelares, forneceu uma resposta oportuna às principais crises na região, aumentou o orçamento e a equipe, criou novos foros de participação social e canais de diálogo com os Estados”, diz ainda a nota.

Por sua vez, a vice da CIDH, a advogada chilena Antonia Urrejola, também contestou a decisão. Em entrevista à BBC, ela afirmou que essa “não renovação de última hora” acontece no mesmo momento em que a Comissão publica informes “sobre países cumprindo um papel bastante crítico” em relação governos com diferentes perfis ideológicos. “Obviamente entendemos que há intenção politica por trás, seja de Estados, seja pelo secretário-geral, basta ver o contexto”, declarou.

O que resta da democracia?

O debate de hoje, porém, não tratou desse assunto. O tema era “O que resta da democracia e dos direitos humanos no Brasil e na América Latina hoje?”. Nesse sentido, Paulo Abrão insistiu na palavra “resistência”. Ele acredita que o país foi “contaminado” pela realidade internacional, pelo que chamou de “onda nacionalista populista de extrema direita”, depois de avanços nas políticas de direitos humanos.

Nem por isso, afirmou, deve-se falar em “erro de cálculo na intensidade da implementação da agenda de direitos humanos, pois isso equivaleria a culpar as vítimas. Um possível erro, segundo ele, foi acreditar que tudo se resolveria “por dentro da institucionalidade”. “O que resta (respondendo ao tema do debate) é, em primeiro lugar, esse espírito de resistência exemplar que a nossa sociedade tem demonstrado. A sociedade civil começa a se reorganizar, começam a surgir novos processos de identificação.”

Momento de esperança

O jurista considera um “ápice” a instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012. “Foi um momento de esperança, que projetou uma possibilidade que estava em nossas mãos de alguma maneira”, afirmou. “Mas também temos que recordar as condições pelas quais isso aconteceu. (…) Essas batalhas nunca foram fáceis.”

Abrão lembrou ainda da decisão do Supremo Tribunal Federal contrária à revisão da Lei de Anistia, em 2010, e da postura da Corte de não julgar os embargos que questionam aquela sentença. Mesmo com novas decisões, como a condenação do Brasil no caso Vladimir Herzog, dois anos atrás. “Parece que o Supremo deixa em banho-maria intencionalmente.”

Retrocesso “recuperável”

Assim, da mesma forma que naquele momento a democracia ainda não estava consolidada, esse processo segue em aberto em relação aos direitos humanos. Mesmo o atual retrocesso da atual Comissão de Anistia é “recuperável”, acredita Abrão. “Dentro de um marco de uma leitura jurídica de imprescritibilidade dessas graves violações, essas negativas em bloco poderão ser recuperadas”, diz o advogado, apontando para uma “reconquista democrática do país.

Ele salienta que o Ministério Público Federal tem cumprido papel fundamental neste período. E, diante da crise política e institucional, afirma que é preciso “cuidar permanentemente da democracia” para evitar qualquer ruptura sistêmica. “Temos uma grande responsabilidade.”


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