racismo e morte

Número de vigilantes supera o de policiais no Brasil. ‘É um horror e não tem o devido controle’

Ex-oficial da PM paulista afirma que o assassinato de homem negro no Carrefour expõe falha de formação e fiscalização das empresas de segurança no Brasil

Arquivo pessoal/Twitter/reprodução
Arquivo pessoal/Twitter/reprodução
"Infelizmente no Brasil é só por meio de tragédia que a gente tem a dimensão dos problemas", diz Adilson Paes de Souza sobre a atuação das empresas de segurança privada

São Paulo – A conduta dos seguranças do Carrefour, que na semana passada espancaram João Alberto Silveira Freitas até a morte, revela que a violência praticada contra homens negros em estabelecimentos comerciais do Brasil está diretamente ligada ao racismo estrutural. Mas também lança dúvidas sobre a fiscalização das empresas de segurança privada e como seus vigilantes são formados. É o que o observa o tenente-coronel aposentado Adilson Paes de Souza, da Polícia Militar (PM) de São Paulo, doutor em psicologia escolar e do desenvolvimento humano pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP). Ele foi entrevistado hoje (24) pela jornalista e apresentadora Marilu Cabañas, do Jornal Brasil Atual

O caso, segundo Souza, revela um “problema imenso”. “Infelizmente, no Brasil é só por meio de tragédia que a gente tem a dimensão dos problemas. Porque as autoridades não têm a capacidade e a vontade de atuar preventivamente”, destacou. 

Até 2015, havia no país ao menos 519.014 vigilantes ativos de empresas especializadas em segurança, de acordo com informações do Sistema de Gestão Eletrônica de Segurança Privada – (GESP) publicadas no Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2016. Contudo, o estudo também estimava que o total da categoria seria ainda maior, uma vez que não há registro da chamada segurança orgânica, ou seja, quando a contratação é direta e as empresas não terceirizam os serviços de segurança.

Mais vigilantes que policiais

Assim, o número de vigilantes ativos estaria entre 650 a 700 mil no total. O que já superava, à época, o contingente das forças públicas de segurança, um total de 552.399 policiais civis e militares. “É um horror e não tem o devido controle”, ressalta o ex-tenente-coronel. “A gente não sabe como eles são treinados, qual é o currículo. E a Polícia Federal não tem condições de fiscalizar adequadamente todos eles”, avalia Adilson.

Segundo o anuário, o setor da segurança privada também é marcado pela atuação de empresas clandestinas. Além de outras violações à lei, como a relação de agentes da segurança privada com os policiais. A empresa de segurança envolvida no assassinato de João Alberto no Carrefour de Porto Alegre, a Vector Segurança Patrimonial, que tem sede em São Paulo, é também investigada por ter como sócio três cabos da Polícia Militar. A conduta contraria o regulamento da PM paulista.

Sócios da PM 

Reportagem do G1 mostra que a cabo Simone Aparecida Tognini, do 5º Batalhão de Ações Especiais da Polícia (Baep), aparece em documentos oficiais como sócia da Vector. O cabo Fábio Lino dos Santos, marido de Simone, é descrito como o responsável pelo site do grupo. Já o terceiro agente, Fábio da Silva Riobranco, se apresenta nas redes sociais como gerente-geral do grupo Vector. 

Apesar de ilegal, a atuação de policiais em empresas de segurança é um “fato comum” na corporação, aponta Souza. O que também explica a “estética do vigilante” reproduzir uma “estética militarizada”, inclusive em seus excessos e discriminações. 

“Esse militarismo invadiu esse segmento porque eles compartilham da ideia de ‘quanto mais temido, mais segurança proporcionam’. Como se segurança tivesse uma relação com ser temido. E as pessoas que já são taxadas pelo viés de cor, classe social, elas podem sofrer, como vimos no Carrefour, e já teve outros casos, em outros lugares, (e serem vistas) como pessoas suspeitas. E que sequer podem ser tratadas como pessoas com as mínimas garantias de direitos humanos”, afirma o ex-oficial PM. 

A responsabilidade do Carrefour

Autor da tese de doutorado O policial que mata: um estudo sobre a letalidade praticada por policiais militares do estado de São Paulo, Souza garante que é o racismo estrutural que também explica a postura dos seguranças do Carrefour de Porto Alegre, Giovane Gaspar da Silva e Magno Braz Borges. Giovani, que também é policial militar, e Magno, foram presos em flagrante pela morte de João Alberto, e vão responder por homicídio qualificado. 

Mas a responsabilidade do crime, no entanto, não é só da terceirizada Vector, mas também da rede internacional Carrefour, garante o tenente-coronel aposentado. “A maneira que eles atuaram contra esse rapaz foi com uma desenvoltura, tranquilidade, uma certeza. Eles estavam muito à vontade com que o estavam fazendo, com a certeza de que não ia acontecer nada”, observa Souza. 

“Não adianta o presidente para a América do Sul e o gerente geral de RH (do Carrefour) virem no horário nobre, publicar uma fala de sofrimento, de sentimento, de ‘vamos fazer tudo’. Porque não dá pra acreditar. Nós já vimos esse filme, (por exemplo) em Mariana, em Brumadinho. Até hoje as pessoas lutam para ter um reconhecimento e estão pelejando na Justiça. Eu desafio o Carrefour a demonstrar que ele não é racista e que realmente não concorda com essa atitude”, provoca Adilson Paes de Souza. 

Confira a entrevista na íntegra 

Redação: Clara Assunção