História sem fim

Escrever sobre Perus 30 anos depois é falar dos mortos de ontem e de hoje, afirma autor

Jornalista conclui “biografia” da vala descoberta em 1990, com mais de mil ossadas

Camilo Vannuchi, Fernando Frazão (Agência Brasil) e Douglas Mansur
Camilo Vannuchi, Fernando Frazão (Agência Brasil) e Douglas Mansur
Violência do Estado mostra que o Brasil ainda tem déficit de civilização

São Paulo – “Escrever sobre a vala de Perus em 2020 é falar dos mortos, dos desaparecidos e dos ocultados de ontem e de hoje”, afirma o jornalista e escritor Camilo Vannuchi. Nesta semana, ele publicou o oitavo e último capítulo da “biografia” da vala clandestina descoberta em 1990. Eram mais de mil ossadas, no Cemitério Dom Bosco, bairro de Perus, na capital paulista.

A iniciativa é do Instituto Vladimir Herzog. Por enquanto, o conteúdo é apenas digital – e pode ser acessado aqui.

“O Estado não é omisso quando exerce deliberadamente a ação de sumir com opositores, criminosos e cidadãos inocentes. Nestes casos, ele é autor do crime”, escreve Vannuchi. “O Estado é omisso quando se exime da responsabilidade de coibir o desaparecimento forçado e punir aqueles que o praticam. Ele também é omisso quando não envida esforços suficientes para prevenir o desaparecimento ou buscar soluções.”

Mortos: a ditadura presente

É um déficit civilizatório a rigor nunca superado. E que chega com força renovada ao governo atual. Vannuchi cita vários momentos em que o agora presidente da República faz, ou fez, apologia de crimes cometidos pela ditadura.

A obra levou três meses para ser concluída. O autor entrevistou 40 pessoas, além de consultar várias fontes de pesquisa. O primeiro capítulo do livro foi lançado em 1º de setembro, nos 30 anos da descoberta da vala de Perus, com um debate virtual.

Perus, ossadas e descobertas

Vannuchi dedica espaço à retomada das análises das ossadas dos mortos de Perus. Da procura de espaço adequado à divergência entre peritos. O período de limbo começou a ser superado em 2014, a partir de protocolo de intenções firmado entre a Secretaria de Direitos Humanos, a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O acordo envolveu ainda a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania. Surgiam o Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) e o Grupo de Trabalho Perus (GTP).

Foi um longo caminho até que as primeiras amostas chegassem a um laboratório em Sarajevo, capital da Bósnia e Herzegovina , em 2017. E a primeira identificação foi confirmada no início do ano seguinte. A segunda veio no final do mesmo ano. A mudança de governo trouxe ameaças à continuidade do projeto. Mas a história continua sendo contada.