Direitos humanos

STJ determina retomada de ação contra delegados do DOI-Codi por crimes na ditadura

Relator afirmou que, pela jurisprudência, violações de direitos fundamentais não prescrevem

Reprodução/Montagem RB
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Vladimir Herzog, morto em 1975, foi uma das vítimas que passaram pelo DOI-Codi. No destaque o prédio do centro de tortura

São Paulo – A Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3, com abrangência em São Paulo e Mato Grosso do Sul) volte a analisar ação por violação de direitos humanos durante o regime militar. Proposta pelo Ministério Público Federal (MPF), a ação civil pública cita três delegados da Polícia Civil de São Paulo. Aparecido Laertes Calandra, David dos Santos Araujo e Dirceu Gravina são acusados por crimes contra a humanidade cometidos no DOI-Codi durante a ditadura.

A ação havia sido rejeitada em primeira instância (para a qual deve retornar agora) e segunda instâncias. O MPF recorreu. Para o relator do recurso no STJ, ministro Og Fernandes, há jurisprudência firmada no tribunal “no sentido de que são imprescritíveis as ações civis fundamentadas em atos de perseguição política, tortura, homicídio e outras violações de direitos fundamentais cometidas durante o regime militar, independentemente do que tenha entendido a Corte Interamericana de Direitos Humanos ou do que estabeleçam os tratados internacionais de que o Brasil é parte”.

Condenação e desculpas

O Ministério Público pede, na ação, que os três agentes que atuavam no DOI-Codi no período da ditadura sejam condenados a indenizar familiares das vítimas. Eles devem ter também cassadas as aposentadorias ou perder os cargos públicos que eventualmente exerçam. O MPF requereu ainda pagamentos de danos morais coletivos. Além disso, o estado de São Paulo deve publicar pedidos formais de desculpas à sociedade. O MPF relata práticas de torturas, desaparecimentos e homicídios, citando entre as vítimas o jornalista Vladimir Herzog, morto em outubro de 1975.

O DOI-Codi funcionava onde hoje está instalada uma delegacia, na Vila Mariana, zona sul de São Paulo. Há um movimento permanente para tornar o local um centro de memória. Em 2014, o jornalista Marcelo Godoy lançou livro sobre aquela que, durante a ditadura, era conhecida como “casa da vovó”.

Anistia não impede punição

Como costuma ocorrer nesses casos, o TRF3 evocou a chamada Lei de Anistia (Lei 6.683, de 1979) para afirmar que isso inviabilizava o pedido de punição civil e administrativa dos agentes. Além disso, o tribunal considerou que os pedidos de indenização civil por atos de tortura estariam prescritos. Assim, não seria possível aplicar retroativamente a Lei de Improbidade Administrativa (8.429, de 1992). Os juízes sustentaram ainda que o Estatuto do Anistiado Político prevê reparações morais, “não havendo margem para o reconhecimento da indenização por dano moral coletivo ou do pedido oficial de desculpas”.

Para o ministro Og Fernandes, no entanto, existe precedente do STJ no sentido de que a Lei de Anistia não incide sobre as causas civis. O relator afirmou ainda que, conforme a Súmula 624, da Corte, é possível cumular a indenização por dano moral com a reparação econômica pela anistia. “Nada distingue, no ponto, os danos morais individuais dos coletivos, que podem ser livremente buscados, independentemente da previsão do Estatuto do Anistiado”, sustentou em sua decisão.

Outro pedido do MPF foi considerado viável pelo ministro relator. “Quanto à pretensão de fornecimento dos dados de servidores que prestaram serviços ao DOI-Codi, tampouco se mostra inviabilizada pela Lei de Anistia. Trata-se de registros públicos, de caráter funcional, cujo acesso é assegurado à sociedade, inclusive por via administrativa, nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 2011)”, lembrou. Ainda sobre o pedido de cassação de aposentadoria, Fernandes considerou descabido a citação, pelo TRF3, da Lei de Improbidade Administrativa.


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