De olho na mídia

Os 70 anos nada edificantes da TV brasileira. Deu no que deu. Por Lalo Leal

A alienação política, o conservadorismo nos costumes e o clima de ódio destes nossos dias foi construído ao longo de vários anos de imposições televisivas

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O rádio deu o pontapé inicial, mas foi a televisão que integrou definitivamente o país de norte a sul, de leste a oeste, através das novelas, do futebol, pelas notícias e mais recentemente pela fé. A alienação política, o conservadorismo nos costumes e o clima de ódio destes nossos dias foi construído ao longo de vários anos de imposições televisivas. Suas três principais formas de ataque estão no jornalismo diário, nos espetáculos policialescos e na ocupação das ondas públicas de transmissão por programas ditos “religiosos”. E a TV brasileira completa 70 anos.

A TV começava no Brasil praticamente ao mesmo tempo que em todo o mundo. No início, cada país ia montando suas programações com a herança cultural que possuía. Nos Estados Unidos a referência era o cinema. Na Europa, o teatro. E no Brasil tornou-se herdeira do rádio. Os primeiros programas da TV brasileira não passavam de programas de rádio com imagem.

Rapidamente, no entanto, o teatro aproximou-se da TV e deixou marcas históricas em montagens, ainda na Tupi, de programas como TV de Vanguarda, TV de Comédia e O Grande Teatro Tupi. No jornalismo, no entanto, sempre cerceado por interesses políticos e econômicos dos controladores das emissoras, os momentos de ousadia foram bem menores.


Assista na coluna De olho na mídia, no canal do Barão de Itararé no Youtube, o comentário completo de Laurindo Lalo Leal Filho sobre os 70 anos da TV brasileira


O nascimento do oligopólio

A origem da televisão brasileira no rádio herdou não apenas o conteúdo, mas também o modelo institucional adotado desde os anos 1930. As emissoras de rádio funcionavam como empresas comerciais concessionárias de um serviço público.

Em 1950, com a chegada da televisão, aqueles concessionários impuseram a ideia de que o novo veículo era apenas uma extensão tecnológica do rádio. Por isso, quem tinha a concessão de rádio julgava-se no direito de ter concessões de TV, sem necessidade de participar de qualquer concorrência.

E foi isso o que ocorreu, tornando-se um fator decisivo para a criação do oligopólio de mídia existente hoje no país, que, além de impedir a diversidade, é também inconstitucional. Um oligopólio que tem responsabilidade direta pela situação dramática em que o Brasil se encontra.

Como estimular ódio e rancor

Foi a televisão que integrou definitivamente o país de norte a sul, de leste a oeste, através das novelas, do futebol, pelas notícias e mais recentemente pela fé. A alienação política, o conservadorismo nos costumes e o clima de ódio destes nossos dias foi construído ao longo de vários anos de imposições televisivas. Suas três principais formas de ataque estão no jornalismo diário, nos espetáculos policialescos e na ocupação das ondas públicas de transmissão por programas ditos “religiosos”.

Assim, foram anos e anos de participação jornalística partidarizada. Combinando a criminalização da política com apologia de supostas lutas contra a corrupção. “Todos os políticos são iguais, ninguém presta, só querem roubar.” Este é o resumo do que se ouve nas ruas, do que é visto nos telejornais. Ao mesmo tempo, exaltam os “justiceiros” fantasiados de juízes e promotores, sempre acima do bem e do mal.

Ao lado do jornalismo, quase que como um apêndice caricatural dele, surgem e proliferam os programas policialescos. Todos os dias, em todo o país, por várias horas, são destruídos os alicerces de uma sociedade civilizada, ainda em construção pela humanidade.

Fazem chacota dos direitos humanos, agridem a dignidade de pessoas geralmente fragilizadas e apresentam como solução para a violência real mais violência. Estimulam o ódio e o rancor.

Ao mesmo tempo, empresários da comunicação incompetentes, incapazes de manter os seus negócios, alugam “seus” canais para os negociantes da fé. Aliás, alugam o que não é deles, é público – as ondas por onde trafegam os canais de TV. Os inquilinos desses concessionários de canais de TV usam a fé para enriquecer.

São essas as principais contribuições da TV brasileira para este país ao completar 70 anos de vida. E como se vê, não são nada edificantes.