Direito da USP: caso da juíza tem viés racista, mas ‘nada indica que será o último’
Diretor da faculdade e presidenta do Centro Acadêmico afirmam que há outras decisões com esse teor, embora com retórica aparentemente neutra
Publicado 13/08/2020 - 13h08
São Paulo – O caso da juíza paranaense que incluiu uma observação de cunho racista em uma condenação demonstra que é preciso combater o preconceito em todas as áreas, “em especial no Judiciário – instituição em que a absoluta maioria dos magistrados são brancos”. Nota conjunta da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e do Centro Acadêmico XI de Agosto afirma que há muitas decisões judiciais com viés racista, embora com retórica aparentemente neutra.
“São frequentes as indicações pelas entidades de defesa dos direitos humanos e Defensorias Públicas de haver um viés condenatório agravado em função da origem racial do réu, o que se reflete no perfil da população carcerária”, afirmam. A nota é assinada pela presidenta do Centro Acadêmico, Letícia Siqueira das Chagas, e pelo diretor da Faculdade de Direito, Floriano de Azevedo Marques Neto.
Para eles, o episódio mostra “a urgência de medidas institucionais de combate ao racismo estrutural” no Judiciário. “Isso só será alcançado combinando a devida repreensão a tais condutas, explícitas ou veladas, e o esforço por aumentar significativamente a diversidade racial da magistratura brasileira”, acrescentam.
Segundo o Perfil Sociodemográfico dos Magistrados Brasileiros, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), referente a 2018, de um total de mais de 11 mil juízes que participaram da pesquisa 80,3% se declararam brancos e 18,1% negros (16,5% pardos e 1,6% pretos), além de 1,6% de origem asiática (amarelos). Entre os que entraram na magistratura até 1990, 84% se declararam brancos. Para quem entrou a partir de 2011, eram 76%.
Leia a nota na íntegra:
NOTA SOBRE DECISÃO JUDICIAL FUNDAMENTADA COM BASE EM CRITÉRIOS RACIAIS PELA 1ª VARA CRIMINAL DE CURITIBA
Nesta quarta-feira (12/08), diversos veículos de mídia divulgaram a notícia de uma juíza da 1ª Vara Criminal de Curitiba que utilizou em sentença o argumento de que, em “razão de sua raça”, o réu se tornaria automática e presumidamente parte de um grupo criminoso, condenando-o a 14 anos de prisão.
O caso evidencia a importância do combate à discriminação e ao preconceito racial em todas as instituições, em especial no Judiciário – instituição em que a absoluta maioria dos magistrados são brancos. São frequentes as indicações pelas entidades de defesa dos direitos humanos e Defensorias Públicas de haver um viés condenatório agravado em função da origem racial do réu, o que se reflete no perfil da população carcerária.
Nesse contexto, embora o caso da juíza paranaense chame a atenção pelo viés racista desabrido e evidente, merecedor das medidas correcionais previstas na legislação, não se trata de um caso único e nada indica que será o último.
No Brasil, diversos autores vêm denunciando o viés racista de decisões judiciais, encobertas por uma hermenêutica e uma retórica aparentemente neutras – como apontam os estudos do jurista Adilson Moreira – só possível de prosperar em um ambiente homogêneo e discriminatório. É urgente que essa realidade não seja tratada como normal, muito menos seja justificada como desvio pontual.
O exemplo da juíza Inês Zarpelon demonstra a urgência de medidas institucionais de combate ao racismo estrutural no judiciário brasileiro. Isso só será alcançado combinando a devida repreensão a tais condutas, explícitas ou veladas, e o esforço por aumentar significativamente a diversidade racial da magistratura brasileira.
Letícia Siqueira das Chagas
Presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto
Floriano de Azevedo Marques Neto
Diretor da Faculdade de Direito da USP