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Famílias do MST resistem por 60 horas, mas são despejadas com violência pela PM de Romeu Zema

Casas e plantações agroecológicas cultivadas há mais de 20 anos foram destruídas. Mais de 400 famílias sem-terra resistiram ao despejo, cometido em meio à pandemia

MST
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"Vai-se mais um despejo, a brutalidade de ter um legado de 22 anos de cuidado com a terra, com o povo,destruído -deixando corpos, natureza e sonhos feridos." MST

Brasil de Fato – A reintegração de posse da área do Acampamento Quilombo Campo Grande, em Campo do Meio (MG), foi executada nesta sexta-feira (14) após ação violenta da Polícia Militar do estado contra as famílias, que resistiram ao despejo por quase 60 horas. No início da tarde, os acampados foram alvejados por bombas de gás lacrimogêneo e dispersados do local. Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as casas e plantações foram destruídas poucas horas depois. A Escola Popular Eduardo Galeano, onde crianças, jovens e adultos eram alfabetizados, foi destruída por um trator no dia anterior.

PM de Zema avança sobre famílias sem-terra que resistem a despejo

O desfecho do despejo se deu após três dias de resistência dos acampados, que ocupam o local há 22 anos. Cerca de 450 famílias vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou as atividades em 1996. 

Os agricultores estão em constante disputa com os proprietários da Capia, que reivindicam posse do local recuperado ao longo dos anos pelos sem-terra desde a ocupação e revitalização do solo, a partir de 1998. 

Com larga escala de produção agroecológica, as famílias são produtoras do famoso Café Guaií e também são responsáveis por outros tipos de cultivos, como milho, feijão, mel, hortaliças, verduras, legumes, galinhas, gado e leite. De acordo com o MST, só no último ano, as famílias produziram 8,5 mil sacas de café e 1.100 hectares de lavouras com 150 variedades cultivadas, sem uso de agrotóxicos. 

Despejo ilegal

O tamanho da área alvo reintegrada é questionada pelo MST. Isso porque, a primeira ordem judicial afirmava que a área a ser reintegrada era de 26 hectares. Mas, a decisão de Roberto Apolinário de Castro, juiz da Vara Agrária do TJ-MG, ampliou para 52 hectares o total a ser reintegrado, aumentando o número das famílias atingidas.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Esther Hoffmann, da coordenação nacional do MST, definiu a reintegração como ilegal. Segundo elas, as famílias já haviam deixado a área prevista na decisão judicial. “A polícia continua ameaçando avançar para além da decisão judicial, que são os lotes familiares, que não estão contidos dentro do processo dessa liminar de despejo. O que eles querem é despejar ilegalmente as famílias que produzem, moram, tem suas construções e famílias nessa área há mais de 20 anos”, afirmou.

A área exata da reintegração e o número de famílias diretamente afetadas ainda não foram especificados pelo movimento. “Nos colocaram em uma situação de risco, fazendo o despejo em meio à pandemia, nos forçaram estar aqui. Com uma aglomeração causada pela PM, colocando as famílias em risco de contaminação”, denunciou Hoffmann, horas antes da reintegração.

De acordo com a dirigente, a Defensoria Pública do estado e o próprio Ministério Público notificaram a Vara Agrária do Tribunal de Justiça de Minhas Gerais (TJ-MG) que a área prevista na decisão já havia sido desocupada. 

Entenda o conflito 

Os acampados atingidos pela reintegração de posse vivem na área da usina falida Ariadnópolis, da Companhia Agropecuária Irmãos Azevedo (Capia), que encerrou as atividades em 1996. Ao falir, os donos da empresa deixaram dívidas trabalhistas e as terras em situação de completo abandono. 

Após a ocupação e revitalização das terras a partir de 1998, os agricultores estão em constante disputa com os proprietários da empresa, que reivindicam posse do local recuperado ao longo dos anos pelos sem-terra. 

O Quilombo Campo Grande conta com 11 acampamentos organizados na área. São plantados, em média, 600 hectares de terra anualmente.

Do outro lado, quem pede o despejo das famílias é o empresário Jovane de Souza Moreira, que tenta reativar a usina falida para cumprir um acordo comercial com a Jodil Agropecuária e Participações Ltda. O proprietário da empresa em questão é João Faria da Silva, considerado um dos maiores produtores de café do país.

O juiz Walter Zwicker Esbaille Junior, do Tribunal de Justiça de Minhas Gerais (TJ-MG) chegou a determinar a reintegração de posse em novembro de 2018 em primeira instância. Entretanto, o desembargador Marcos Henrique Caldeira Brant suspendeu a decisão.

Reportagem da Repórter Brasil, publicada em novembro 2018, registra que após pedir recuperação judicial da Usina, o  documento firmado entre Jovane e Faria prevê o arrendamento de parte dos 4 mil hectares da terra para o plantio de café, enquanto outra parcela seria destinada ao cultivo da cana-de-açúcar.

O despejo iniciado nesta quarta-feira (12) foi determinado pelo juiz Roberto Apolinário de Castro em fevereiro e afeta diversas famílias que ocupam a área da sede da Usina.

Mas, conforme reitera o MST, a questão que agrava a situação é o limite entre as áreas do Quilombo e a área que o proprietário da antiga usina alega ser de sua propriedade.

De acordo com o movimento, a área que o dono da Usina reivindica legalmente não é dele de fato. Apesar disso, o despacho mais recente, de fevereiro desse ano, aumentou a área da reintegração de posse para 52 hectares.