Boiada de Doria

Doria propõe extinguir serviços à população pobre para manter benefícios fiscais a ‘amigos’

Trabalhadores e parlamentares que participaram de ato público nesta quinta apontam que, se Doria cortar R$ 10 bilhões do R$ 23,6 bilhões em incentivos a empresários, não haverá rombo nos cofres de SP

Flickr/Governo de SP
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São Paulo – Para justificar o seu Projeto de Lei 529, que extingue órgãos estaduais responsáveis por políticas nas áreas de saúde, meio ambiente, transporte e habitação, aumenta impostos e afeta as universidades, o governador de São Paulo João Doria (PSDB) projeta um déficit superior a R$ 10,5 bilhões para o próximo ano. Ele alega que a retração econômica causada pela pandemia do novo coronavírus vai reduzir a arrecadação em R$ 24 bilhões.

No entanto, o rombo propalado por Doria – sem a apresentação de estudos –, poderia ser evitado pela redução dos crescentes incentivos fiscais que seu governo tem concedido a setores empresariais. “Se ele quer resolver o déficit de R$ 10,5 bilhões que está alegando, que reduza a renúncia fiscal dada aos empresários. Se ele reduzir em R$ 10 bilhões os mais de R$ 23 bilhões que concede ao setor empresarial já resolve o problema”, disse o deputado estadual Teonilio Barba (PT). O parlamentar participou, nesta quarta (26), de um ato público virtual em defesa do patrimônio público e contra PL 529 (íntegra abaixo).

No final de junho, o Ministério Público de Contas (MPC) de São Paulo emitiu um parecer contrário às contas de João Doria relativas a 2019. O motivo é a renúncia de receitas e os critérios para a concessão de benefícios fiscais. Conforme o relatório, falta transparência sobre as concessões. O governo paulista editou 14 decretos prevendo novos benefícios sem a devida previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – que corresponde a um aumento de 25% comparado ao ano anterior.

Pela LDO, ao conceder incentivo a um setor, é necessário detalhar a renúncia fiscal, o valor do gasto tributário na operação e apontar qual é a fonte de receita alternativa. Além disso, deve descrever os critérios adotados na concessão do benefício fiscal. Mas nada disso vem sendo informado de forma clara. Apesar de reprovada pelo MPC, a renúncia foi aprovada pelo Tribunal de Contas do Estado.

Amigos de Doria

Segundo Teonilio Barba, o PL do governador prevê extinguir cerca de 200 equipamentos públicos. “A ideia de Doria é pegar todos esses equipamentos e entregar na mão do setor privado, para seus amigos empresários. É como a política bolsonarista: nada para o povo e tudo para os amigos e empresários. Tudo isso que ele quer extinguir representa a demissão da maioria dos seus 5.700 trabalhadores, em plena pandemia”.

Para unificar e ampliar a mobilização contra o PL 529, parlamentares, trabalhadores das empresas afetadas e movimentos aglutinados na Frente Brasil Popular e Povo sem Medo criaram um comitê de luta. “O comitê vai dar unidade à resistência. Das dez instituições a serem extintas, mais da metade tem a ver com a saúde. Vejam o crime que o governador Doria está cometendo”, disse Raimundo Bonfim, da coordenação nacional da Central dos Movimentos Populares (CPM). “E tem o Itesp relacionado com a questão da terra, o CDHU, relacionada à moradia, a EMTU, do transporte. Ou seja, tudo o que o governo quer extinguir são institutos vinculados a políticas públicas importantes para a população”, conclui.

Patrimônio público

Barba e Bonfim estiveram entre os mais de 130 participantes do ato solene em defesa do patrimônio público. Iniciativa da coordenadora da Frente Parlamentar sobre Privatização e em Defesa do Patrimônio e dos Serviços Públicos de Qualidade, deputada Leci Brandão (PCdoB), o manifesto virtual reuniu representantes dos servidores dos órgãos ameaçados, deputados estaduais e federais de diversos partidos, além de lideranças sindicais e estudantis.

O projeto de Doria, que tramita em regime de urgência na Assembleia Legislativa, é incoerente com seu discurso de que é preciso governar para os mais humildes. Tanto que a ampla maioria dos órgãos que quer extinguir planejam e executam políticas voltadas às populações mais pobres. É o caso da Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU), a Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo (EMTU), a Fundação para o Remédio Popular (Furp), que produz medicamentos mais baratos. No pacote está também a Fundação Instituto de Terras de São Paulo (Itesp), que entre outras coisas, presta assessoria técnica para o cultivo e escoamento da produção de pequenos agricultores de assentamentos e quilombos localizados nas regiões de mais baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do estado.

Tudo isso sem contar a Superintendência de Controle de Endemias (Sucen). Essa autarquia controla endemias e vetores biológicos de doenças que afetam principalmente as populações mais vulneráveis, e a Fundação Oncocentro de São Paulo (Fosp). Criada há mais de 40 anos, desenvolve pesquisa, capacitação profissional e cursos sobre câncer para a população em geral. Se fosse pouco, ainda atua na reabilitação de pacientes com sequela de tumores na região de cabeça e pescoço, que necessitam de próteses bucais, faciais, nasais, auriculares, óculo-palpebrais e oculares feitas sob medida.

Confira íntegra do ato contra o PL 529: