São Paulo

MPT e Defensoria pedem condenação de empregadores de trabalhadora doméstica

A vítima era uma senhora de 61 anos, que não recebia salário há anos e vivia em condições consideradas degradantes, em um bairro de alto padrão

Polícia SP
Polícia SP
Sem receber salário há anos, idosa morava em um depósito nos fundos da casa

São Paulo – O Ministério Público do Trabalho (MPT) em São Paulo e a Defensoria Pública da União (DPU) pedem condenação dos empregadores de uma trabalhadora doméstica resgatada em junho em uma casa do Alto de Pinheiros, bairro de alto padrão na zona oeste paulistana. Em ação civil pública, ajuizada na quarta-feira (1º), procuradores e defensores querem que a Justiça do Trabalho condene por prática de situação análoga à escravidão. E pedem indenização de R$ 1 milhão por danos morais.

O caso envolveu uma senhora de 61 anos, resgatada por uma equipe da Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). O MPT havia solicitado mandado de busca e apreensão. Ela não recebia salários desde 2011. Não tinha férias, nem 13º.

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O MPT informou que a vítima foi encontrada “vivendo em um depósito nos fundos de uma residência no Alto de Pinheiros, sem acesso à casa principal, inclusive ao banheiro”. Além disso, desde o início de pandemia de coronavírus, “foi proibida de entrar na casa, não recebendo até o presente momento qualquer ajuda de custo, sequer para se alimentar”.

Sem registro

Segundo a procuradora Alline Pedrosa Oishi Delena, a trabalhadora também foi prejudicada no direito à aposentadoria. “Ao não registrar o contrato de trabalho da doméstica e tampouco recolher as contribuições previdenciárias devidas desde 1998, foi lhe causado imenso prejuízo quando esta se tornou idosa”, afirmou Alinne. Ela é a autora da ação, juntamente com João Paulo Dorini, defensor regional de Direitos Humanos da DPU. “Isso porque quando completou 60 anos de idade, ela já mantinha vínculo empregatício com os réus por mais de 15 anos, o que seria suficiente para que lhe fosse assegurada, naquela data, a aposentadoria com idade, nos termos da então vigente CLT.”

Na ação, também se pede que os réus paguem imediatamente o equivalente a um salário mínimo por mês até o julgamento final. E outro mínimo mensal por dano material até a concessão da aposentadoria pelo INSS. Eles requerem ainda pagamento dos valores correspondentes à aposentadoria por idade, no valor de um mínimo, de janeiro de 2019 até o trânsito em julgado (quando não cabem mais recursos).

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Além da ação trabalhista, os réus foram indiciados por abandono de incapaz, omissão de socorro e redução à condição análoga a de escravo. Esse caso tramita na 1ª Delegacia de Polícia da DHPP.

Situação degradante

“No momento em que o mundo enfim parece disposto a discutir o racismo, que decorre diretamente da escravidão africana perpetrada ao longo de quatro séculos, é inconcebível que ainda haja situações absolutamente degradantes como essa”, afirmou o defensor João Paulo. “A escravidão contemporânea é um problema real, grave, e muito maior do que sua suposta invisibilidade pode fazer crer. É dever do Estado brasileiro enfrentar todas essas novas formas de escravidão, que configuram gravíssimas violações aos direitos humanos.”

Ainda de acordo com a investigação, a casa onde a trabalhadora foi encontrada está à venda há alguns meses. Conforme anúncio em imobiliária, o valor é de R$ 1,590 milhão. A dona do imóvel chegou a ser presa no local durante a operação, em junho, mas foi liberada após pagamento de fiança. Era funcionária da Avon, que informou tê-la demitido.

A operação envolveu ainda a Secretaria da Justiça e Cidadania (SJC) do Estado, por meio do Núcleo de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (NETP) e da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (Coetrae-SP).