risco de impunidade

Justiça Militar de São Paulo autoriza PM a alterar cena de crime

Medida permite a policiais descumprirem resolução que proíbe apreensão de armas e objetos em casos de morte por intervenção policial. Especialistas veem tentativa de dificultar investigações

Rovena Rosa/EBC
Rovena Rosa/EBC
"A letalidade já é mais difícil de investigar e portanto de punir casos em que haja o uso ilegítimo da força", lembra pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

São Paulo – O juiz Ronaldo João Roth, da 1ª Auditoria Militar de São Paulo, concedeu um habeas corpus coletivo a todos os oficiais da Polícia Militar do estado, autorizando-os a descumprir resolução que proíbe PMs de apreenderem armas e objetos em cenas de crimes, mesmo em caso de morte por intervenção policial

A Resolução 40/2015 definia que, em uma cena de crime, cabia aos agentes apenas preservarem o local até a chegada de um delegado, que conduziria as investigações. A diretriz da Secretaria de Segurança Pública foi baixada pelo então titular da pasta, Alexandre de Moraes, hoje ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), e tinha como intuito controlar a letalidade dos policiais que atuam no estado. 

Na decisão, assinada em 8 de julho, o juiz Roth considerou que a resolução seria “inconstitucional” e “abusiva”. E colocaria os PMs sob “constrangimento ilegal”. De acordo com o portal G1, ao menos 4.500 policiais podem ser beneficiados com o habeas corpus. A decisão da Justiça Militar acata um pedido da Associação de Oficiais Militares do Estado de São Paulo em Defesa da Polícia Militar (Defenda PM). Mas ocorre em um momento em que as forças de segurança são flagradas em constantes casos de violação e de uso excessivo da força contra a população. 

Já neste ano, a letalidade policial bateu recorde. Levantamento da Folha de S. Paulo junto à Secretaria de Segurança Pública do estado aponta para uma quarta alta nas mortes ocasionadas em decorrência de intervenção policial nos cinco primeiros meses do ano. De acordo com o jornal, a quantidade de vítimas passou de 67, em maio do ano passado, para 71 no mesmo mês deste ano. No acumulado dos primeiros meses deste ano, a polícia já matou 442 pessoas – a letalidade mais alta desde o início da série histórica, em 2001. 

Dificultando as investigações 

Ao Seu Jornal, da TVT, o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) reforça que as investigações devem caber à Polícia Civil, como também prevê o Código de Processo Penal. Por serem crimes policiais, existe o risco de impunidade em função do corporativismo da Justiça Militar, e o mais correto é que o delegado de polícia tenha essa atribuição. “Cabe a ele ouvir todas as partes envolvidas, os acusados, as testemunhas. E determinar ou não a prisão do acusado que tenha cometido o homicídio”, afirma. 

A pesquisadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) Jaqueline Sinhoretto adverte que é também preciso considerar o comportamentos dos policiais e as orientações que são recebidas por parte do governo de João Doria (PSDB). “O problema é que a Polícia Militar e esses militares, aqui no estado de São Paulo, defendem uma polícia violenta”, aponta. “Uma polícia não existe para ser violenta, ela existe para cumprir a lei”, ressalta a pesquisadora. 

Na outra ponta, a iniciativa da Justiça Militar preocupa o movimento negro, uma vez que todas as pesquisas indicam os jovens negros e periféricos como as maiores vítimas da violência policial. O pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Dennis Pacheco lembra que hoje o ordenamento penal e o próprio sistema de controle das polícias já corroboram para que a atividade seja pouco fiscalizada. “A letalidade já é mais difícil de investigar e portanto de punir casos em que haja o uso ilegítimo da força”, observa. 

Assista à reportagem da TVT


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