Em São Paulo

Nas ocupações, movimentos sociais enfrentam a pandemia com solidariedade

Líder do MSTC diz que movimento tenta impedir avanço da doença com frentes de trabalho. “Pandemia afirma o que a gente sempre diz, que a casa é porta de entrada dos direitos”

MSTC/Divulgação
MSTC/Divulgação
Na cozinha da Ocupação Nove de Julho, marmitas são preparadas para alimentar as famílias sem-teto na pandemia

São Paulo – Desde 17 de março, quando a primeira morte em decorrência do novo coronavírus foi confirmada em São Paulo, as ocupações do Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) vem adotando diversas medidas para impedir que a covid-19 atinja os moradores. A principal forma encontrada para enfrentar a pandemia vem sendo a solidariedade que, ao que parece, tem dado certo. É o que conta a líder do MSTC Carmen Silva, em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual

Quase quatro meses após o anúncio do primeiro óbito, apenas um caso da doença foi confirmado entre as seis ocupações coordenadas pelo movimento. E o que tem sido a chave desse processo é o próprio teto. “A pandemia vem informar aquilo que a gente sempre diz, que a casa, a moradia, é a porta de entrada de todos os outros direitos. E que um prédio abandonado é uma questão de saúde pública”, destaca Carmen.

Ao menos 2 mil pessoas sem-teto formam o MSTC atualmente. A primeira providência do movimento foi paralisar todas as atividades com aglomeração. Entre elas, assembleias e reuniões, e atividades culturais e visitações que ocorrem principalmente na Ocupação Nove Julho, no centro da capital paulista. 

Outras ações

A partir daí, as lideranças se lançaram para garantir aos moradores os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), álcool em gel, o uso de máscaras e luvas. Pias foram implantadas nas entradas das ocupações para que as pessoas higienizassem as mãos antes de irem aos prédios. Além de uma promoção constante da importância de se seguir o isolamento social. Mas a ampliação da crise fez o movimento perceber que era preciso também garantir o alimento às famílias das ocupações. 

“A gente criou um Comitê de Combate à Fome, justamente porque sabíamos que as pessoas iam ficar sem trabalho e a primeira coisa que ia acontecer era a fome. Entramos nesse comitê junto com a criação da Casa Verbo, e nós tivemos um grande suporte da plataforma covid-19 pela Fundação Itaú Social. E em todas as nossas ocupações, e até para as famílias que não estão nas ocupações, estamos fazendo a distribuição de cestas básicas e kits de higiene”, explica. 

Com a plataforma, o movimento tem hoje assegurado 52 costureiras trabalhando na confecção de máscaras e mais 30 pessoas atuando na entrega de cestas básicas. A plataforma contribui ainda para o escoamento de alimentos de uma rede de pequenos agricultores da cidade de Piedade, no interior do estado. 

Vulnerabilidades escondidas

Carmen confessa, no entanto, que mesmo sendo líder de um movimento social, em meio à crise sanitária e econômica “vem descobrindo uma invisibilidade” ainda maior. “Um submundo de vulnerabilidade escondido”, diz. “É muita gente passando fome, desprovida de informações necessárias. E uma delas é a falta de informações que a gente sempre discutiu no movimento, de documentação.” 

“O que mais me chama atenção é que justamente há um ano, quando meus filhos foram presos e eu fiquei foragida, uma das acusações é que eu pedia para tirar o  título de eleitor. E hoje nós temos 32 milhões de brasileiros invisíveis, sem o CPF, porque o TRE, as grandes autoridades dos Estados, nunca fizeram um trabalho para informar que se a pessoa ficasse duas eleições sem votar (e justificar), automaticamente seu CPF é bloqueado. E quando seu CPF é bloqueado, ele não tem acesso a nada. Então esses 32 milhões de brasileiros que estão invisíveis ao sistema, a culpa de quem será?”, contesta. 

A líder do MSTC é mãe da cantora e produtora cultural Preta Ferreira e do educador Sidnei Ferreira, presos em 2019, acusados de extorsão. No mesmo ano, os três passaram a responder em liberdade ao processo, considerado arbitrário e sem provas. A investigação vem sendo questionada por diversos representantes como uma tentativa de “criminalizar os movimentos que lutam por moradia”

Movimentos são parte do Estado

Na pandemia, o MSTC conseguiu ainda firmar um pacto com a sociedade civil e investidores sociais para garantir alimentação à população que está em situação de rua. Até o momento, mais de 60 mil pessoas foram beneficiadas, de acordo com Carmen. O movimento ainda faz parte do programa Cidade Solidária, criado pela prefeitura de São Paulo. 

“O Estado tem que compreender que nós (movimentos sociais) somos parte do Estado e que nós podemos trabalhar nessa congruência, ao invés de criarmos barreiras. Agora está mais do que entendido que os movimentos sociais são intermediários entre o poder público e as várias pontas invisíveis que o poder público nunca viu”, destaca a líder do MSTC, que prossegue nas críticas. 

“A conjuntura política atual é a afirmação do que os movimentos sociais sempre reivindicaram, é a falta efetiva das políticas públicas. E para além da pandemia nós temos que pensar em políticas públicas”, finaliza. 


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