Votação marcada

Coalizão diz que projeto das Fake News virou ‘PL Black Mirror’ e pede adiamento de votação

Previsto para ser votado hoje no Senado – mas adiado para a próxima semana –, PL das Fake News não foi debatido com a sociedade, não ataca indústria de mentiras e ameaça liberdade e privacidade

Reprodução/Netflix
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Série "Black Mirror" traz episódios com suspense e sátiras à forma como a sociedade torna-se mais refém do que beneficiária das tecnologias

São Paulo – O relatório apresentado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA) relativo ao Projeto de Lei 2.630 – o PL das Fake News – é inadmissível e vai acabar com a liberdade de expressão na rede. O alerta é da Coalizão Direitos na Rede, que elaborou documento com críticas e alternativas ao à proposta. A previsão era que o PL fosse votado pelo Senado nesta terça-feira (2), mas o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (DEM), comunicou, à tarde, o adiamento da análise para a semana que vem, sem definir data.

A jornalista Bia Barbosa, integrante do coletivo, afirma que a polarização política prejudicou o debate necessário em torno do PL. E que pelo fato de o projeto ser criticado por bolsonaristas muita gente do campo democrático passou a apoiar automaticamente, sem entender de seu conteúdo. Segundo a coalizão, o projeto do senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) surgiu com diversos problemas e ficou ainda pior no relatório de Ângelo Coronel.

“É muito ruim que essa polarização tenha acontecido, porque a gente precisa sim de medidas eficazes para combater as fake news, mas esse PL ainda tem muitos problemas e precisa ser modificado”, afirma Bia. “Por exemplo, o PL não proíbe esses disparadores em massa de mensagens externas ao WhatsApp, que a gente viu funcionando muito nas eleições 2018 e que continuam funcionando. O texto não traz nada sobre isso.”

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Adiamento

Por volta das 15h de hoje, Alcolumbre comunicou em seu Twitter que a votação do PL seria adiada. “Em acordo com o autor Alessandro Vieira, o relator Angelo Coronel e os líderes partidários, determinei o adiamento para a próxima semana da análise do PL 2630/2020, que trata sobre fake news. A matéria estava prevista para a sessão desta terça-feira (2).

A Coalizão Direitos na Rede – que reúne 38 organizações de pesquisa e defesa de direitos digitais, da liberdade de expressão e direitos do consumidor – divulgou nota em que chama o PL das Fake News de “PL Black Mirror“. O apelido é alusão à série britânica exibida pela Netflix que traz episódios autônomos com histórias críticas e satíricas sobre a forma como a sociedade moderna se torna mais refém do que beneficiária das novas tecnologias.

A nota lista 10 pontos em que explica os problemas do PL das Fake News e por que pede o adiamento da votação. O coletivo defende um debate mais amplo, descontaminado da crise política, para que o combate às fake news não se transforme em ataque à liberdade e à privacidade a rede.

1. Liberdade de expressão em alto risco

O projeto tem efeito bombástico na liberdade de expressão da internet no Brasil, estabelecendo que com a mera entrada com processo judicial a rede social tenha que remover o conteúdo questionado na Justiça para que não seja responsabilizada caso ele seja julgado ilegal (art. 53).

2. Redes sociais só com comprovante de residência

O texto burocratiza ao máximo o acesso às redes sociais, tratando todos os usuários como potenciais criminosos. Para controlar o acesso, todos os usuários deverão enviar todos os seus documentos para ter uma conta em rede social (art. 7).

3. Debate atropelado: projeto nunca foi discutido

Senadores votarão um projeto cujo conteúdo (dado pelo relatório do senador  Ângelo Coronel) foi divulgado há poucas horas, sem que os parlamentares e a sociedade possam avaliar e discutir suas propostas. Em um processo totalmente antidemocrático, além de violar vários direitos o texto possui inúmeras problemas técnicos. É necessário tempo para garantir um mínimo debate com a sociedade.

4. Privacidade violada

Na linha de tratar todos os usuários de internet como potenciais criminosos, delegados e promotores terão acesso livre aos cadastros (agora documentados) de usuários de internet sem qualquer crivo judicial (art. 12).

5. Bloqueio geral das redes sociais e apps de mensagem

Com mais de 50 artigos, o projeto cria inúmeras hipóteses que podem ensejar bloqueio dos provedores redes sociais, abrindo espaço para enorme insegurança e incerteza para quem trabalha dependendo da internet. Bloqueios como os que vimos, do Whatsapp, vão se multiplicar em todas as redes (art. 40 e restantes).

6. Legalização do ministério da verdade

O texto legitima as redes sociais como ministério da verdade, legalizando seus termos de uso para derrubar qualquer tipo de postagem que desejarem (Art. 9). O relatório ainda dá o poder para as plataformas de definir quais são os casos excepcionais e quais outros vão exigir uma defesa prévia para remoção de conteúdo (art. 10, caput e § 5º).

7. Black mirror na vida real

O texto cria um sistema em que pessoas darão notas às outras e isso gerará prejuízos a quem for “mal classificado” (art. 14 e 15). Os critérios de classificação serão definidos pelas plataformas, abrindo espaço para todo tipo de abusos.

8. Legalização do assédio e dos ataques

O PL legaliza as práticas de assédio e ataques na Internet pelo sistema de notas e ao prever que a pessoa será rotulada por qualquer denúncia que receber, mesmo as infundadas e antes da análise do mérito (art. 11). Quem tiver pontuação baixa não conseguirá ter seu conteúdo acessado e poderá inclusive perder a conta.

9. Criminalização de quem apenas compartilha conteúdos

O relatório pode jogar na cadeia por três a seis anos pessoas que repassaram conteúdos sem saber se são falsos (art. 47). Uma medida desproporcional e condenada por todas as relatorias internacionais de Direitos Humanos. Hoje, 59% das pessoas têm acesso à internet só pelo celular e muitas vezes não podem sequer checar conteúdos por não terem acesso a outros sites além do WhatsApp para checar as informações que recebem.

10. Ativismo e jornalismo em risco

Sem delimitar o que é “desinformação” ou “conteúdo manipulado”, a lei usa esses termos no novo enquadramento de organização criminosa e lavagem de dinheiro, abrindo enorme espaço de criminalização de qualquer ativismo, movimento social e jornalismo (art. 49 e 50).

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Mestre e doutoranda em Ciências Sociais na Universidade Federal do ABC, Joyce Souza, pesquisadora do Laboratório Especial de Tecnologias Livres, fala das semelhanças entre Jair Bolsonaro e Donald Trump no que diz respeito ao controle nas redes.


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