Em plena pandemia

Famílias são despejadas com violência da PM em Piracicaba (SP); deputada é ameaçada

“Doria aparece educadíssimo na TV, mas nas favelas age diferente”, diz deputada Professora Bebel. Local do despejo em Piracicaba está abandonado há 40 anos

Entidades pediram paralisação da ação de despejo em meio à pandemia. Deputada Professora Bebel critica Doria

São Paulo – Cerca de 50 famílias sofreram nesta quinta-feira (7) ação de despejo – mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus –, após a Polícia Militar realizar reintegração de posse na comunidade Taquaral, no bairro Monte Líbano, em Piracicaba, interior paulista. De acordo com moradores, a ação foi violenta, com uso de bombas de gás contra a população. Um ex-morador, que não se identificou, perdeu sua casa e relata que não houve agressão por parte deles contra a polícia. “A gente não revidou, estava pacífico”, disse.

A deputada estadual Professora Bebel (PT) esteve no local do despejo e criticou a ação policial e o governador João Doria (PSDB) por permitir a operação. “Doria aparece educadíssimo na TV para pedir para ficarem em casa e lavarem as mãos, mas nos becos e favelas ele age diferente. Cinquenta famílias foram tiradas de suas casas a bala. Sem perspectivas de resolver para onde iam e sem ao menos poder retirar seus pertences”, postou em sua rede social.

A parlamentar argumentou que o despejo em Piracicaba exporia os moradores e outras pessoas ao risco de contágio pelo coronavírus, “contrariando, assim, todas as recomendações das autoridades sanitárias”.

Bebel teve seu acesso ao local impedido por policiais e conta ter recebido ameaças, inclusive de prisão. “Estou em pleno exercício de meu mandato parlamentar. Não me intimido e não me intimidarei”, afirmou a deputada. Por pressão da comunidade, a prisão não foi efetuada. “Um policial a pegou a força, machucou o braço dela e me deu voz de prisão”, relatou o advogado Nilcio Costa à Rádio Brasil Atual.

Em nota, a Apeoesp, sindicato estadual dos professores da rede pública, presidido pela deputada, repudiou a operação. “É absurdo que uma ordem como essa seja executada neste momento de pandemia e isolamento social, obrigando as famílias desalojadas a deslocar-se para casas de amigos e familiares, abrigos coletivos ou até mesmo perambular pelas ruas da cidade.”

Arbitraridade

A reintegração foi feita após a decisão judicial assinada pela juíza Fabíola Giovanna Barrea Moretti, do Tribunal de Justiça de São Paulo. O terreno está abandonado há 40 anos e as famílias ocuparam o local em janeiro. Entretanto, a magistrada considerou que o coproprietário tem posse indireta da área.

Na véspera, as famílias e entidades sociais pediram intervenção da prefeitura e da Defensoria Pública para paralisar a ação. O argumento central era o risco do despejo em meio à pandemia do novo coronavírus. Entretanto, sem base científica, a juíza interpretou que a ocupação possivelmente ampliaria a propagação da contaminação.

Ao jornal Gazeta de Piracibaca, a advogada Marcela Bragaia, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), explicou que a liminar de despejo aconteceu de maneira ilegal. “Não houve intimação do Ministério Público e da Defensoria Pública, sem intimação das famílias pelo oficial de Justiça, ou seja, com inúmeras nulidades e ilegalidades o despejo de mais de 50 famílias em plena pandemia do coronavírus.”

O advogado Nilcio Costa informou que a deputada Professora Bebel está articulando a obtenção de abrigos em Piracicaba para acomodar, durante a pandemia, os moradores despejados.

Ação desumana

Após a reintegração, retroescavadeiras começaram a derrubar as moradias, muitas delas construídas de maneira improvisada. A Justiça diz que no terreno há apenas oito moradores, mas as lideranças da comunidade informa que há, no mínimo, 50 famílias no local.

Em entrevista à Ponte, a diarista Roseli Felix teve a casa atingida por bombas de gás lacrimogêneo. Seu filho de 7 anos passou mal. Ela vive na comunidade vizinha ao terreno onde estava a ocupação.

“Meu filho estava dormindo e acordou sufocado. Eles (PM) não respeitam ninguém. O pessoal aqui é tranquilo, estamos aqui por não temos onde morar. Tem mulher com um monte de criança pequena, foi demitida por causa da pandemia e não tem mais um teto. E agora? A gente só queria um pouco de dignidade”, relatou.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) emitiu uma nota contra o despejo. De acordo com eles, a área pertence à vários herdeiros de um advogado e estava abandonada, servindo apenas para especulação imobiliária, sem nenhum uso.

O movimento afirma que a decisão da juíza coloca em risco a vida de muitas pessoas. “Os sem teto ocupam a área desde janeiro, na luta pelo direito a moradia. A assessoria jurídica tentou impedir o despejo, alegando questão humanitária e apelando ao bom senso diante diante da maior pandemia dos últimos tempos, mas ignoraram o risco de morte que estão impondo à essas famílias”, lamentou.


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