Famílias são despejadas com violência da PM em Piracicaba (SP); deputada é ameaçada
“Doria aparece educadíssimo na TV, mas nas favelas age diferente”, diz deputada Professora Bebel. Local do despejo em Piracicaba está abandonado há 40 anos
Publicado 07/05/2020 - 13h46
São Paulo – Cerca de 50 famílias sofreram nesta quinta-feira (7) ação de despejo – mesmo em meio à pandemia do novo coronavírus –, após a Polícia Militar realizar reintegração de posse na comunidade Taquaral, no bairro Monte Líbano, em Piracicaba, interior paulista. De acordo com moradores, a ação foi violenta, com uso de bombas de gás contra a população. Um ex-morador, que não se identificou, perdeu sua casa e relata que não houve agressão por parte deles contra a polícia. “A gente não revidou, estava pacífico”, disse.
A deputada estadual Professora Bebel (PT) esteve no local do despejo e criticou a ação policial e o governador João Doria (PSDB) por permitir a operação. “Doria aparece educadíssimo na TV para pedir para ficarem em casa e lavarem as mãos, mas nos becos e favelas ele age diferente. Cinquenta famílias foram tiradas de suas casas a bala. Sem perspectivas de resolver para onde iam e sem ao menos poder retirar seus pertences”, postou em sua rede social.
A parlamentar argumentou que o despejo em Piracicaba exporia os moradores e outras pessoas ao risco de contágio pelo coronavírus, “contrariando, assim, todas as recomendações das autoridades sanitárias”.
Bebel teve seu acesso ao local impedido por policiais e conta ter recebido ameaças, inclusive de prisão. “Estou em pleno exercício de meu mandato parlamentar. Não me intimido e não me intimidarei”, afirmou a deputada. Por pressão da comunidade, a prisão não foi efetuada. “Um policial a pegou a força, machucou o braço dela e me deu voz de prisão”, relatou o advogado Nilcio Costa à Rádio Brasil Atual.
Em nota, a Apeoesp, sindicato estadual dos professores da rede pública, presidido pela deputada, repudiou a operação. “É absurdo que uma ordem como essa seja executada neste momento de pandemia e isolamento social, obrigando as famílias desalojadas a deslocar-se para casas de amigos e familiares, abrigos coletivos ou até mesmo perambular pelas ruas da cidade.”
Arbitraridade
A reintegração foi feita após a decisão judicial assinada pela juíza Fabíola Giovanna Barrea Moretti, do Tribunal de Justiça de São Paulo. O terreno está abandonado há 40 anos e as famílias ocuparam o local em janeiro. Entretanto, a magistrada considerou que o coproprietário tem posse indireta da área.
Na véspera, as famílias e entidades sociais pediram intervenção da prefeitura e da Defensoria Pública para paralisar a ação. O argumento central era o risco do despejo em meio à pandemia do novo coronavírus. Entretanto, sem base científica, a juíza interpretou que a ocupação possivelmente ampliaria a propagação da contaminação.
Ao jornal Gazeta de Piracibaca, a advogada Marcela Bragaia, da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renap), explicou que a liminar de despejo aconteceu de maneira ilegal. “Não houve intimação do Ministério Público e da Defensoria Pública, sem intimação das famílias pelo oficial de Justiça, ou seja, com inúmeras nulidades e ilegalidades o despejo de mais de 50 famílias em plena pandemia do coronavírus.”
O advogado Nilcio Costa informou que a deputada Professora Bebel está articulando a obtenção de abrigos em Piracicaba para acomodar, durante a pandemia, os moradores despejados.
Ação desumana
Após a reintegração, retroescavadeiras começaram a derrubar as moradias, muitas delas construídas de maneira improvisada. A Justiça diz que no terreno há apenas oito moradores, mas as lideranças da comunidade informa que há, no mínimo, 50 famílias no local.
Em entrevista à Ponte, a diarista Roseli Felix teve a casa atingida por bombas de gás lacrimogêneo. Seu filho de 7 anos passou mal. Ela vive na comunidade vizinha ao terreno onde estava a ocupação.
“Meu filho estava dormindo e acordou sufocado. Eles (PM) não respeitam ninguém. O pessoal aqui é tranquilo, estamos aqui por não temos onde morar. Tem mulher com um monte de criança pequena, foi demitida por causa da pandemia e não tem mais um teto. E agora? A gente só queria um pouco de dignidade”, relatou.
O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) emitiu uma nota contra o despejo. De acordo com eles, a área pertence à vários herdeiros de um advogado e estava abandonada, servindo apenas para especulação imobiliária, sem nenhum uso.
O movimento afirma que a decisão da juíza coloca em risco a vida de muitas pessoas. “Os sem teto ocupam a área desde janeiro, na luta pelo direito a moradia. A assessoria jurídica tentou impedir o despejo, alegando questão humanitária e apelando ao bom senso diante diante da maior pandemia dos últimos tempos, mas ignoraram o risco de morte que estão impondo à essas famílias”, lamentou.