em Brasília

‘A gente levantou a bandeira da ciência e do pesar’, diz enfermeira agredida por bolsonaristas

Uma das participantes do ato da última sexta-feira conta como foi a agressão aos profissionais da saúde, que pediam melhores condições de trabalho e se solidarizavam com colegas mortos

Cons. Regional Enfermagem
Cons. Regional Enfermagem

São Paulo – Quando começaram a organizar um ato na Praça dos Três Poderes, enfermeiros de vários locais de trabalho tinham três motivações, conta uma das pessoas envolvidas na organização. “Manter o isolamento social, até que a ciência mostre, com dados, que pode afrouxar, o que não é o caso. Chamar a atenção para a questão dos EPIs (equipamentos de proteção individual). E homenagear os mortos”, lembra a enfermeira, que prefere não ser identificada. “Se a gente cair, ninguém mais levanta.”

Silencioso e pacífico, o protesto realizado na última sexta-feira (1º) foi alvo de agressões de militantes bolsonaristas. O objetivo era fazer um ato de meia hora, sem pronunciamentos – tanto que o comando era feito por apitos. “Não tinha nenhuma pauta partidária. A gente levantou a bandeira da ciência e do pesar.”

Com 20 anos de experiência profissional, sempre na área assistencial (“Beira leito”, como diz), ela se impressionou com a reação daquelas pessoas. “Na minha inocência, imaginei que pelo fato de não ter levantado bandeira e por representar a categoria da saúde, eles iam respeitar”, diz, lembrando que sempre há militantes naquele ponto. “Quando a gente começou a montar o ato, ficaram rondando, igual urubu.”

Insanidade

As filmagens foram feitas depois que as agressões começaram. Além das três pessoas que foram identificadas, havia pelo menos mais quatro gritando, diz a enfermeira. Uma delas dizia que “essa conta não é do Bolsonaro”, que nem era citado no protesto, feito basicamente por melhores condições a quem está na linha de frente do combate à pandemia. “Não é possível que alguém chegue a um grau de insanidade tão grande”, afirma, referindo-se aos manifestantes.

©reprodução

Quando começaram as ofensas, alguns manifestantes começaram a filmar e uma das enfermeiras saiu, pegou o carro, estacionado perto, e foi buscar ajuda policial. Até então, não havia imprensa e nem polícia acompanhando a manifestação. As imagens que circularam foram feitas depois de algum tempo de agressão.

A manifestação foi pensada depois que surgiram notícias sobre um possível relaxamento das medidas de isolamento social no Distrito Federal. “A gente conversou: tem gente dentro do hospital adoecendo, morrendo, e as pessoas circulando?”, lembra a enfermeira. “Procuramos o Sindicato dos Enfermeiros, que comprou a ideia”, acrescenta.

Direitos humanos

Um dos agressores identificados é Renan da Silva Sena, funcionário terceirizado que ironicamente presta, ou prestava, serviços no Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Ele chegou a cuspir em uma das enfermeiras. De acordo com reportagem do portal UOL, o analista não aparece em seu local de trabalho e nem exerce suas atividades desde meados de março. Ele teria sido demitido após suas agressões, mas o site não recebeu documento de comprovação da dispensa.

O Conselho Regional de Enfermagem do Distrito Federal (Coren-DF) já informou que identificou os agressores e vai processá-los. Segundo a entidade, a ação de “ignorância e violência” contra os profissionais não ficará impune. Outra dessas pessoas, que seria empresária, foi vista em vídeo postados nas redes sociais conversando com Jair Bolsonaro diante do Palácio do Alvorada. Chegou a pedir perdão por atingir alguns profissionais da saúde, mas disse que havia gente “infiltrada”. O presidente disse que houve “um super dimensionamento por parte da mídia”.

Casada e com dois filhos, ela se preocupa especialmente com o menor, que é asmático. “O meu medo maior é esse O marido permanece em casa, em regime de teletrabalho, e cuida das crianças, enquanto ela mantém suas atividades em hospital. No início do isolamento, manteve-se afastada dos filhos, mas, avaliando que a pandemia “vai durar muito ainda”, decidiu voltar ao normal – o que significa tirar a roupa ao chegar em casa, lavar em separado e tomar banho, entre outras medidas. E continua lamentando que muitos ainda duvidem da gravidade da situação. “Todo mundo vai pagar o preço daqueles que não acreditam.”

Assista vídeo das agressões contra ato de profissionais da saúde:


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