Combate à fome

Bela Gil ao MST: a reforma mais necessária para o Brasil é a agrária

Em várias cidades do Brasil, integrantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra dão show de solidariedade com programa de entrega de marmitas à população carente

Divulgação/Sítio Verde Viver
Divulgação/Sítio Verde Viver
"Temos um programa nacional que é uma política de solidariedade. Aprendemos com o povo cubano: não é dividir o que sobra, mas dividir o que tem", diz João Paulo Rodrigues, do MST

São Paulo – Distribuição de alimentos para os mais carentes, doação de leite, o programa marmita solidária. A pandemia do coronavírus mostrou a força da solidariedade dos integrantes do Movimento dos Trabalhares Rurais Sem Terra (MST) por todo o Brasil. Em transmissão realizada nesta segunda-feira (14), no Café com o MST, a chef de cozinha e apresentadora Bela Gil saudou a força desses pequenos agricultores e clamou pela reforma agrária no Brasil.

“Aos produtores, muito obrigada, gratidão imensa pelo trabalho que vocês fazem”, disse. “Se o campo não planta, a cidade não janta. Vocês estão no caminho certo. A reforma agrária é a reforma mais importante que a gente precisa no Brasil. A gente vive sem muita coisa, mas não vive sem comida. Com a concentração de terra absurda no Brasil, a acesso a alimentação também é desigual.”

A conversa reuniu Bela Gil, a enfermeira do setor de saúde do MST-PE Susane Lindinalva da Silva e o dirigente nacional do MST João Paulo Rodrigues, que relatou como o movimento está se articulando nesses tempos da pandemia do coronavírus.

Quarentena produtiva

“Temos cinco grandes frentes, cinco grande medidas”, explicou. “A primeira é cuidar do nosso povo para garantir que todos fiquem em casa. É um momento de quarentena produtiva, em casa, nas cooperativas, nos acampamentos. É o nosso isolamento produtivo, nossa conspiração clandestina na roça”, disse João Paulo.

“Além disso, garantir que nossa turma tenha acesso às políticas públicas do governo: todos têm direito aos R$ 600”, destacou.

 “Também estamos tentando garantir que os produtos que já temos consigam chegar ao produtor. Então, estamos cobrando a liberação de R$ 500 milhões do Plano Safra emergencial”, afirmou, dirigindo-se à ministra da Agricultura, Tereza Cristina – muita rápida para “liberar veneno”, como ele observa.

“Então veja se libera recurso para nossos assentamentos. Temos produto prontos para entrega, já podemos abastecer os mercados nos próximos 15 a 20 dias. São recursos já aprovados no Congresso Nacional, via Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), criado durante o governo Lula.”

Dividir o que tem

João Paulo destacou ainda a solidariedade, que tem resultado na distribuição de alimentos para quem mais precisa. “Temos um programa nacional que é uma política de solidariedade. Aprendemos com o povo cubano: não é dividir o que sobra, mas dividir o que tem.”

As outras medidas são o combate à violência contra mulheres e crianças nos acampamentos e o não despejo das famílias assentadas. “Os acampamentos podem ajudar a produzir comida. Precisamos uma linha de crédito emergencial para que as famílias possam produzir. São áreas enormes nos assentamentos que poderiam plantar. Temos aproximadamente 30 milhões de hectares de terras e 5 milhões de pessoas que vivem no campo e poderiam ajudar nesse programa emergencial.”

Marmita solidária

A enfermeira Susane falou do programa de distribuição das marmitas em Pernambuco. “Começamos três semanas atrás. A ação surge de dar conta de alimentar a população em situação de rua que tem mais dificuldade nesse cenário de pandemia. Começamos com 50 quentinhas e hoje estamos distribuindo 1.400 ao dia”, conta com orgulho.

“Quando pensamos em organizar esse processo, sabíamos que ia precisar de muita gente para conseguir escoar das áreas de produção. Estamos recebendo doação de todo mundo. A gente distribui café da manhã e janta. Começa às 6h e vai até 21h. Conseguimos espaço para que higienizarem. À noite são umas 800 marmitas. Estamos localizados no coração do Recife. O excedente a gente vai fazer distribuição em outras áreas.”

A tarefa é árdua. “Também temos ação conjunta com o Mão Solidária. Não é apenas o povo em situação de rua que está passando por essa situação de falta de alimento. Como sou enfermeira e temos 150 voluntários, minha tarefa é garantir o cuidado com esses companheiros. Temos duas nutricionistas que garantem a não contaminação dos alimentos e dos espaços. Além de orientar os voluntários com os cuidados de higiene e saúde.”

Direto do Armazém do Campo

A partir das lojas do Armazém do Campo em seis capitais do país, o programa que está ganhando vulto. São Paulo deve começar a distribuição de “quentinhas” na próxima semana. Diante da pandemia, os armazéns passaram a fazer entregas em casa dos produtos da agricultura familiar, orgânicos, sem veneno.

“A gente tem alimentos produzidos por mulheres quilombolas, do MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), da reforma agrária e que saem bastante. Com relação ao nosso cardápio é flexível de acordo com o que vai chegando, datas de validade”, explica.

“Por exemplo, a gente pode passar um dia todo cortando manga para não perder, fazendo polpa. Estamos evitando ao máximo o desperdício. Quando a gente pensou essa ação não pensamos só pelo fato de ser solidários, mas de garantir a imunidade do povo em situação de rua. Não existe formula mágica de saúde: tem de comer alimento sem veneno, comida que vem da terra.”

Saúde contra o coronavírus

Bela Gil lembrou que o momento é muito importante para pensar na produção de alimentos. “A base da nossa alimentação deveria ser frutas, legumes, de preferencia orgânicos. Juntar e se aliar aos pequenos produtores para ter alimentos frescos.”

E dá a receita para não haver perdas. “Uma boa panela de arroz, de feijão que podem ficar na geladeira para não ter de cozinhar todos os dias. Usar os legumes, o que sobrar pode virar bolinho. Por exemplo, com uma jaca dá para fazer diversos alimentos. É hora de usar criatividade na cozinha. Fazer chips de banana verde, biomassa que pode fazer estrogonofe, bolo, pão. Se a banana amadurecer demais, congela.”

A chef de cozinha recomenda ainda usar as folhas dos alimentos, como beterraba, brócolis, talo da couve, para fazer farofa, refogados. “Se antes você usava só o miolo da abóbora você vai ver que pode usar a casca, a semente”, ensina. “A casca da melancia pode ser refogada como se fosse chuchu. Estamos num momento de escassez e precisamos partilhar ao máximo aos alimentos que estão chegando na nossa casa. Vamos voltar à tradição e comer todo tipo de alimento. É a melhor maneira de melhorar nossa imunidade, nossa saúde para combater o coronavírus. A gente não pode se dar ao luxo de comer besteira, produtos industrializados, que afetam nossa saúde e podem nos colocar em risco.”

Não aos agrotóxicos

Bela disse que está cada vez mais convencida que que é preciso pressionar o governo federal a acabar com a isenção de impostos sobre os agrotóxicos que envenenam a comida dos brasileiros. “Essa isenção é inconstitucional, a gente sabe que eles fazem mal. O setor arrecada 10 bilhões de dólares por ano e deixam de pagar aos cofres públicos 3 bilhões de dólares ano. Esse setor não pode ter essa isenção gigante. Eles pagam 5%, é irrisório, enquanto outros pagam 35%”, denuncia.

“A gente podia ter esse dinheiro para investir na saúde, na alimentação, na sobrevivência do povo. Essa isenção faz com que os produtos convencionais se tornem mais baratos por todo esse incentivo que o governo dá. Quando a gente transferir ou igualar os incentivos em relação aos orgânicos vamos ter uma competição mais justa e a população não vai mais poder reclamar que são mais caros (os orgânicos). Pelo menos que comecem com o mesmo padrão.”


Leia também


Últimas notícias