História sem fim

Ligação do Rodoanel Norte com o aeroporto de Cumbica vai ficar pela metade

Trecho prometido no governo Alckmin deveria ligar anel rodoviário ao aeroporto, mas vai terminar em um córrego

Gov.SP
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Trecho do Rodoanel Norte ainda em obras, na Avenida Raimundo Pereira de Magalhães. previsão de término para 2022

São Paulo – Atrasado, mais caro, com falhas graves a serem sanadas e com uma alça de acesso ao Aeroporto Internacional de Guarulhos que não vai chegar ao aeroporto. Assim o Rodoanel Norte deve ter as obras retomadas, em outubro. Ontem (9), a Secretaria de Estado de Logística e Transportes realizou uma audiência pública para apresentar a situação do trecho e anunciar que o edital de licitação deve ser publicado em 31 de março. As obras devem ser retomadas em outubro, com expectativa de conclusão em total no segundo semestre de 2022 – incluindo o trecho que não vai mais chegar ao aeroporto.

“A alça para o aeroporto não vai até o aeroporto. Essa alça vai até o córrego Baquirivú. A ligação efetiva com o aeroporto vai ser objeto de outra ação. Isso está sendo tratado com o governo federal e com a GRU Aiport (concessionária que administra o aeroporto)”, declarou o secretário-executivo de Logística e Transportes, Milton Persoli. A alça de acesso foi anunciada pelo então governador Geraldo Alckmin (PSDB), em 2013, e ainda consta dos materiais da Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa). O novo edital prevê a construção de 3,6 quilômetros até o córrego, mesmo sem previsão de conclusão.

A situação é semelhante à da Linha 13-Jade, da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que, anunciada como o trem do aeroporto, tem a última estação a cerca de dois quilômetros de distância do primeiro terminal de embarque. O usuário do sistema precisa pegar um ônibus do aeroporto para concluir o trajeto até o terminal de destino.

Presente à audiência, o deputado federal Alencar Santana Braga (PT-SP) entregou ofício a Persoli, reivindicando alterações no projeto do Rodoanel Norte para reduzir o impacto sobre os moradores de Guarulhos. Entre elas, a garantia de acesso entre bairros que serão cortados pela alça do Rodoanel ao aeroporto, principalmente Bananal, São João e Fortaleza. Atualmente, o projeto não contempla número significativo de passarelas e nem uma via marginal, para acesso local de veículos.

“Essa obra impacta o município de Guarulhos de maneira grande, muito forte. O acesso causa diversos danos, divide a cidade e bairros populosos. E não tem os devidos acessos às travessias de um lado para o outro. Isso vai causar um problema imenso para as pessoas que vão para a escola, para o seu trabalho, no dia a dia. Viemos trazer essa preocupação e sugerir soluções: mais travessias e uma via marginal ao lado do acesso do Rodoanel ao aeroporto, para permitir uma integração da cidade”, detalhou Braga.

Em um dos trechos, é pedido o prolongamento da rua Olho d’Água dos Borges, sob o Rodoanel Norte, para manter a ligação dos bairros Jardim Bananal e Jardim Santos Dumont, de um lado, aos bairros Vila Rica, Jardim Lenize e Jardim São João do outro. A via também não prevê nenhum acesso em Guarulhos, apenas na Rodovia Presidente Dutra, e são solicitados três acessos, em diferentes avenidas da cidade.

Na audiência, os presentes não puderam usar a palavra. Todas as perguntas tiveram de ser feitas em papel, sendo selecionadas aquelas que seriam lidas. Além disso, houve apenas 30 minutos para essa parte do processo. Para Braga, a prática é ilegal e pode levar à anulação da reunião. “Nunca vi uma audiência pública onde o público não fala. Isso é uma ilegalidade grave que pode ensejar a anulação da audiência. É uma obra grande e importante do estado, mas com várias suspeitas, irregularidades, atos de corrupção. Os contratos já foram suspensos, cancelados, e hoje as pessoas não podem usar a palavra. É um absurdo”, afirmou. Ele também solicitou uma nova audiência pública, em Guarulhos.

Falhas no Rodoanel Norte

Milton Persoli também comentou as falhas detectadas pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), algumas delas consideradas graves. Segundo ele, o Rodoanel Norte pode ter as obras retomadas sem preocupação com problemas estruturais. “Claro que depois de dois anos de obra parada tem coisas que precisam ser consertadas e que vão estar no edital. Mas não houve nenhum comprometimento que exija o desmonte de alguma estrutura”, afirmou.

A auditoria feita pelo IPT encontrou 1.291 falhas nas obras, das quais 59 colocarão em risco a vida de motoristas que trafegarem pelo local se não forem corrigidas. Dentre os problemas considerados graves estão pilastras de viadutos tortas, infiltração e fissuras em túneis, aterros e pavimentação de encostas com erosão e rupturas e blocos de pavimento trincados. As obras estão paralisadas desde junho de 2018 por suspeitas de superfaturamento. Este trecho começou a ser construído em 2013 e devia ter sido entregue em 2016, no governo de Alckmin.

A Secretaria diz que não haverá riscos para os motoristas. “O Rodoanel Norte ainda está em obras. Ou seja, não há motoristas utilizando esse trecho. O IPT foi contatado por esta gestão para uma análise minuciosa sobre a obra visando a retomada dos trabalhos. O relatório do IPT será anexado em sua totalidade no novo edital de licitação da obra, garantindo que todos os trabalhos necessários sejam feitos para que o Rodoanel seja entregue com toda a segurança aos usuários e dentro dos novos prazos que serão estabelecidos na futura licitação. Portanto, não há riscos para os futuros motoristas uma vez que as empresas vencedoras dos lotes do trecho norte serão obrigadas pelo edital a realizar todos os trabalhos necessários apontados no laudo do IPT.”

A auditoria foi contratada pelo governo João Doria (PSDB) para embasar a nova licitação das obras do trecho norte, prevista para setembro deste ano. Além das 59 falhas consideradas graves, que precisam ser resolvidas antes do início da operação, o Rodoanel Norte apresenta 152 falhas médias, problemas que podem afetar as estruturas no curto ou médio prazos, como juntas de movimentação sem manutenção e aparelhos de apoio instalados de forma incorreta. Segundo o IPT, esses problemas são decorrentes da falta de manutenção após a construção dos trechos.

Mais caro

A conclusão das obras do trecho Norte do Rodoanel vai consumir o dobro do dinheiro estimado pelo governo Alckmin, há seis anos. Já foram gastos pouco mais de R$ 10 bilhões na obra, cujo orçamento inicial era de R$ 5,6 bilhões. Agora, o governo Doria prevê que serão necessários mais R$ 1,7 bilhão para finalização do último trecho, totalizando R$ 11,7 bilhões.

Faltando terminar cerca de 15% do Rodoanel Norte, o governo paulista teve de rescindir os contratos dos seis lotes de obras. Três foram anulados ainda no ano passado, no governo de Marcio França (PSB), e três já no governo Doria. As investigações da Operação Pedra no Caminho, desdobramento da Operação Lava Jato, apontam que houve fraude, superfaturamento e sobrepreço nos contratos de remoção de pedras e terraplanagem. A estimativa inicial é de desvios de R$ 625 milhões.

Novas construtoras devem assumir as obras em cada lote. No entanto, as empresas Mendes Júnior, Isolux, Corsan, OAS, Acciona, Construcap e Copasa, responsáveis pelos contratos anteriores, foram à Justiça contra o governo de São Paulo, exigindo cerca de R$ 900 milhões, alegando que não receberam pelos serviços já executados.

Em janeiro do ano passado, a concessionária EcoRodovias venceu o leilão para a administração e manutenção do trecho Norte, por um período de 30 anos, pelo valor de R$ 883 milhões, embora ainda não haja previsão definitiva do início da operação – o que pode implicar em novos processos judiciais, como no caso da linha 4-Amarela. Persoli nega. “Não tem espaço para isso, a contratação está sendo conduzida da forma mais segura e transparente. Todos os acertos estão sendo feitos”, afirmou.

O primeiro trecho do Rodoanel Mário Covas – oeste – começou a ser construído em 1998 e foi entregue em 2002. O trecho sul foi concluído em 2010 e o leste, em 2014. A rodovia, que circunda a capital paulista terá, no total, 177 quilômetros de extensão. A primeira previsão de entrega do Rodoanel Norte foi em 2016, com as obras iniciadas em 2013. Os novos contratos devem ter prazos de execução de 18 a 24 meses, levando a previsão de entrega para 2022, ano em que Doria pretende concorrer à Presidência da República.

O Rodoanel Norte vai ligar a rodovia Fernão Dias à Avenida Inajar de Souza. Terá 44 quilômetros de extensão, com sete pares de túneis, 44 pontes e 63 viadutos, além de 3,5 quilômetros de uma interligação com o aeroporto de Guarulhos. O governo paulista estima que 40% dos caminhões que atualmente acessam a capital paulista pela rodovia Dutra passarão a rodar pelo trecho.


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