Atenção

A responsabilidade das empresas diante da propaganda infantil abusiva

Propaganda velada de produtos para crianças impera no YouTube. Para Abrinq, acompanhar é dever dos pais; para o Instituto Ethos, toda sociedade tem de ser responsável e o Alana cobra postura ética

Reprodução/YouTube
Reprodução/YouTube

São Paulo – A propaganda infantil é proibida no Brasil, mas está presente, ainda que de forma velada, nos mais diversos canais direcionados a crianças nas redes, como o YouTube. No país, ainda que mal aplicada, existe alguma regulação sobre a publicidade dirigida a crianças na mídia tradicional. Mas nas mídias digitais, o assunto é terra de ninguém.

Regular a relação dos pequenos com a propaganda seria responsabilidade exclusiva dos pais, para a Associação Brasileira de Fabricantes de Brinquedos (Abrinq). Já o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social encara essa missão como sendo um dever de toda a sociedade. E o programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, alerta: as empresas devem assumir uma postura ética e responsável de não direcionar suas ações mercadológicas às crianças.

A advogada Livia Cattaruzzi, do Instituto Alana, explica que as empresas de tecnologia, como o YouTube, não são associadas, ou seja, não respondem ao Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária (Conar), que é um conselho criado e mantido por empresas do setor (agências de publicidades, anunciantes, associações de empresas, veículos de comunicação).

“O Conar tem caráter de recomendação, não tem poder para obrigar as empresas a cumprir regras”, afirma Livia. “Já que existem leis que proíbem propaganda infantil, seria importante que as empresas anunciantes assumam uma postura ética e responsável de não direcionar suas ações mercadológicas às crianças.”

Synésio, da Abrinq, defende auto-regulamentação. Livia, do Alana, lembra que Conar não tem nada para redes sociais. E Caio Magri, do Ethos, considera zelo pelo integridade da infância tarefa de toda a sociedade, inclusive das empresas (Fotos: Divulgação)

O presidente da Abrinq, Synésio Costa, discorda: “Quem é responsável pelo que a criança vê e faz são seus tutores”, afirma . “O Brasil há tempo dá show de bola em auto-regulamentação publicitária infantil ou adulta. A Abrinq segue acreditando que é isso o que vale, o Conar. O ambiente da internet quem deve cuidar é a família, que é responsável pela criança.”

Mas não faz não faz sentido depositar no consumidor responsabilidades que são dos produtores, pondera o presidente do Insituto Ethos, Caio Magri. “Temos insistido com as empresas que há um conjunto de princípios e valores necessariamente fundamentais para a gestão estratégica da empresa que se propõe a ser socialmente responsável”, explica.

“Igualdade, equidade, integridade, transparência. Só por esses quatro podemos ver que não são transparentes, não tratam com responsabilidade seus produtos, não analisam os impactos dos seus produtos sobre a vida das pessoas de uma maneira efetiva”, diz, sobre as empresas que fazem propaganda infantil.

“É claro que a sociedade tem suas responsabilidades e precisa assumir também. Acho que com relação a crianças e adolescentes o ECA é muito claro e temos defendido e reiterado isso junto às empresas. É dever da sociedade, do Estado, das empresas, do mercado promover e garantir os direitos das crianças e dos adolescentes. Não estou retirando a responsabilidade das famílias. Mas dar a elas a única responsabilidade sobre a escolha das crianças é absolutamente falso e hipócrita. Não é isso que move o merchandising, a comunicação, a propaganda das empresas.”

Propaganda mal disfarçada

A advogada do Instituto Alana avalia que os problemas, quando se trata de redes sociais ou plataformas de internet, vão além dos abusos na propaganda infantil. São maiores e muito mais profundos e complexos. Por exemplo, os programas em que youtubers, sejam mirins ou adultos, brincam expondo as marcas dos produtos.

“Esse tipo de vídeo específico quando tem a criança brincando com brinquedo, apresentando um produto, é sim publicidade velada, dentro do conteúdo”, afirma. “Mas a plataforma diz que ela não pode se envolver diretamente em relação ao conteúdo. Então tem a criança que você não sabe se está sendo patrocinada por um produto ou não. Na grande maioria dos casos essas crianças não divulgam, não falam que estão sendo patrocinadas para essa divulgação.”

Synésio Costa, da Abrinq, não acha que isso seja propaganda velada. “É uma forma de mostrar o produto, não é desonesta e invasiva.”

Já Caio Magri acredita que isso precisa ser regulado. “É necessário controle sobre as redes sociais, que a sociedade estabeleça as regras e limites da propaganda. Como já fez com a propaganda infantil. Temos um desafio pela frente”, avalia o presidente do Instituto Ethos.

“O consumismo, aliado ao estímulo a utilizar de maneira inadequada produtos, alimentos, serviços, tem de nossa parte uma crítica severa. A responsabilidade social das empresas está exatamente nessa questão. Não é na sua ajuda humanitária, filantrópica, e sim como seu negócio impacta a sociedade. E se impacta de maneira negativa, precisa rever seus processos.’

Livia ressalta que as empresas de tecnologia têm um papel fundamental de prestar informações claras nesse processo de mudança. “O YouTube fez um corte agora para 13 anos, mas quando ele foi criado no Brasil ele era pra 18 anos. Mas é uma plataforma aberta, nem precisa ter uma senha para acessar uma conta, um CPF que precisar cadastrar, um e-mail, nada”, salienta. “É uma plataforma aberta onde as crianças circulam livremente não só como espectadores mas como produtores de conteúdo, criando seu próprio canal e produzindo vídeo do seu cotidiano.”     

YouTube multado

A plataforma, que conta com cerca de 2 bilhões de usuários mensais em todo o mundo, foi multada pela Comissão Federal de Comércio dos Estados Unidos (FTC) pelo recolhimento ilegal de dados de crianças para efeitos de publicidade, por intermédio de seus vídeos. Além da multa de US$ 170 milhões, uma série de mudanças, válidas para todos os países a partir de janeiro deste ano, devem oferecer mais proteção ao público infantil.

Estão proibidos comentários e o sininho de alerta com notificação de vídeos infantis. Também não haverá mais direcionamento de anúncios personalizados para esse público. E não poderá mais coletar dados para fins de segmentação de anúncios em qualquer vídeo que contenha conteúdos para crianças.

O programa Criança e Consumo do Instituto Alana comemorou as mudanças como um passo importante para a proteção da criança em ambiente digital. “Mas, embora o fim da segmentação de anúncios para o público infantil seja um avanço, a medida ainda é insuficiente, pois a plataforma continuará veiculando mensagens publicitárias em canais e conteúdos infantis”, considera a advogada Livia Cattaruzzi. “É fundamental que os espaços de socialização digital das crianças não tenham nenhuma comunicação mercadológica, já que qualquer tipo de publicidade infantil é ilegal.”

“Deve se manter de uma maneira bastante rígida a legislação de proteção de dados. O que implica que os dados, se forem crianças, têm proteção ainda maior pelo ECA”, destaca Caio Magri, do Ethos. “Mas nós defendemos a proteção integral dos dados de qualquer cidadão ou cidadã. Não podem ser disponibilizados sem a expressa autorização de cada um deles. E as crianças e os adolescentes não têm autonomia jurídica para fazer isso.”

O YouTube afirma que é uma plataforma aberta e destinada a adultos. “Como está observado em nossos termos de serviço ” , informou, via assessoria de imprensa. “Seu uso por crianças deve sempre ser feito num contexto familiar e em companhia de um adulto responsável. Anúncios, marcas e criadores devem seguir nossas diretrizes e estar em conformidade com as leis locais. Em relação ao conteúdo gerado por usuários, todos devem seguir nossas Diretrizes da Comunidade. Quando não há violação clara à política de uso do produto, a análise final sobre a necessidade de remoção de conteúdo cabe ao Poder Judiciário, nos termos do Marco Civil da Internet.”