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Sistema de reconhecimento facial do Metrô paulista viola direitos dos passageiros, diz especialista

Instituições entraram com ação judicial para cobrar informações da empresa sobre a implementação da tecnologia

Bruno Soares/Creative Commons
Bruno Soares/Creative Commons
As instituições envolvidas na ação contra o Metrô lembram dos altos índices de erro de sistemas de reconhecimento facial pelo mundo. O grupo lembra do modelo usado pela Polícia Metropolitana de Londres teve 81% dos alertas equivocados

São Paulo – Uma ação foi impetrada na Justiça, na última segunda-feira (10), para cobrar do Metrô de São Paulo informações sobre o sistema de reconhecimento facial licitado pela companhia. De acordo com o Intervozes, uma das entidades responsáveis pela ação, a tecnologia é falha e fere a a garantia de privacidade dos usuários do transporte.

“Todos os testes, em vários países onde é aplicado, mostram que há muitos problemas”, afirma Flávia Lefévre, advogada especializada em direito digital e integrante do Intervozes, em entrevista aos jornalistas Glauco Faria e Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual. “Além da questão técnica, existe o problema de como os dados estão sendo coletados e o que está no Marco Civil da Internet, que exige um consentimento expresso de quem tem a imagem coletada.”

A ação foi aberta pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e pela Defensoria Pública da União, além do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Intervozes, Artigo 19 e Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADHu). Eles questionam o uso das câmeras e como elas coletarão as imagens dos passageiros e se esses dados biométricos serão tratados como determina a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que entra em vigor em agosto.

A lei resultante do Projeto de Lei 53/2018, sancionada por Michel Temer naquele ano, exige que as companhias mudem a forma como lidam com as informações de seus usuários. “A lei de proteção de dados pessoais, que entra em vigor neste ano, pede uma série de procedimentos que não foram cumpridos pelo Metrô. Ou seja, há uma violação de direitos que agride um valor importante, a garantia de privacidade”, acrescenta Flávia.

Em julho de 2019, o Metrô publicou o edital de licitação de um sistema com câmeras de reconhecimento facial. A empresa afirmou que, com o objetivo de aumentar a segurança, instalaria os equipamentos nas estações das linhas 1-Azul, 2-Verde e 3-Vermelha. O consórcio Engie Ineo Johnson foi decretado vencedor com uma proposta de R$ 58,61 milhões. A ação na Justiça pede que o sistema não seja instalado até que o Metrô seja transparente e dê garantias sobre a eficácia do sistema.

Segundo a advogada Eloisa Machado, do CADHu, a adoção de tecnologias de reconhecimento facial sem cautela impõe enormes riscos a direitos dos usuários. “Todas as informações precisam ser disponibilizadas para que essa avaliação seja feita de modo transparente e para que se possa de fato ponderar se os eventuais benefícios, se existirem, valem a pena. Essa discussão tem ocorrido em diversos lugares do mundo. São comuns os casos de erro, por exemplo, que podem levar a diversas situações discriminatórias e de insegurança que precisam ser consideradas, especialmente em um universo de milhões de passageiros”, explicou.

Sistema rejeitado na Holanda

No último dia 5, o Tribunal Distrital de Haia, na Holanda, ordenou a suspensão imediata de uma ferramenta semelhante ao sistema que o Metrô pretende adotar, direcionada aos bairros pobres holandeses. A Justiça disse que a tecnologia viola as normas de direitos humanos e serviria para “espionar os pobres”.

A ferramenta chamada System Risk Indication (SyRI) seria utilizada para identificar indivíduos “propensos a cometer fraudes de benefícios” e oferecia às autoridades locais amplos poderes para compartilhar e analisar dados, que anteriormente eram mantidos em sigilo.

As instituições envolvidas na ação contra o Metrô lembram dos altos índices de erro de sistemas de reconhecimento facial pelo mundo. O grupo lembra do modelo usado pela Polícia Metropolitana de Londres teve erros de precisão e 81% dos alertas foram equivocados, de acordo com levantamento da polícia local.

Moro e o fornecimento de dados

O ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro defendeu que os juízes brasileiros tenham o poder de ordenar que empresas de internet com sede no exterior, que tenham filiais no Brasil, forneçam dados para auxiliar em investigações criminais. O ex-juiz participou, também nesta segunda, de audiência pública no Supremo Tribunal Federal (STF).

O debate foi convocado pelo ministro do STF Gilmar Mendes, relator de ação declaratória de constitucionalidade (ADC) sobre o controle de dados na internet. Na ação, a Federação das Associações das Empresas de Tecnologia da Informação (Assespro – Nacional), que representa interesses de filiais brasileiras de empresas como Facebook, busca que seja considerado constitucional o Tratado de Assistência Jurídica Mútua (MLAT, na sigla em inglês) entre o Brasil e os Estados Unidos.

O acordo prevê uma série de trâmites para a requisição de informações entre os dois países. Para a Assespro, diferentemente do que é defendido por Moro, a Justiça brasileira não poderia requisitar dados que se encontram nos EUA diretamente a filiais de empresas norte-americanas no Brasil, mas somente por intermédio dos procedimentos previstos no MLAT, caso contrário, o tratado estaria sendo descumprido.

Flávia Lefévre observa que dados de muitas empresas estão em bases dos Estados Unidos, então há um conflito de jurisdição, e o acordo busca resolver esse problema. Para ela, a ideia de Moro desconsidera o MLAT. “Isso reforça o viés autoritário de Sergio Moro, porque ele não gosta de limites. O ministro quer desconsiderar um decreto, para conseguir diretamente a informação de cidadãos sem um processo legal. Isso fere a privacidade das pessoas”, criticou.

A integrante do Intervozes lembra que o tema foi debatido durante a discussão do Marco Civil da Internet. “Como os dados são uma grande riqueza econômica, as empresas teriam que ter seus bancos de dados aqui, mas isso foi afastado durante a elaboração do projeto.”

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