Ditadura

MPF denuncia ex-comandante do Doi-Codi e legistas por morte de militante do PCB em 1976

Procurador pede prisão e cancelamento das aposentadorias e condecorações dos envolvidos. Caso é imprescritível e não pode ser anistiado, pois constitui crime contra a humanidade, diz denúncia

Arquivo/Memórias da Ditadura
Arquivo/Memórias da Ditadura
Neide integrava o setor de agitação e propaganda do PCB, quando foi torturada e morta pela ditadura

São Paulo – O Ministério Público Federal de São Paulo (MPF-SP) denunciou o ex-comandante do DOI-Codi do II Exército, em São Paulo, Audir Santos Maciel e dois médicos legistas pela morte da integrante do PCB Neide Alves dos Santos em 7 de janeiro de 1976. Coronel do Exército, Maciel foi denunciado por homicídio qualificado, por ter participado da operação que resultou no assassinato. Os médicos Harry Shibata e Pérsio Carneiro foram denunciados por falsidade ideológica, acusados de forjarem laudo necroscópico da morte de Neide.

O laudo buscava corroborar versão oficial de que as extensas queimaduras identificadas no corpo da vítima seriam fruto de suicídio por ateamento de fogo. Shibata, então diretor do Instituto Médico Legal (IML), e Pérsio José Ribeiro Carneiro foram os mesmos legistas que falsificaram o laudo que apontava o suicídio do jornalista Vladimir Herzog, assassinado pelos agentes da repressão em 25 de outubro de 1975. Segundo o MPF, o  mesmo método foi utilizado pouco mais de um ano depois para acobertar o assassinato de Neide.

O MPF destaca que não cabe prescrição ou anistia nesse caso, pois a morte de Neide ocorreu em um contexto de ataque generalizado do Estado brasileiro contra a população civil e, por isso, constitui crime contra a humanidade. Além das penas de prisão, o Ministério Público requer que a Justiça Federal ordene o cancelamento de aposentadorias ou outros proventos que os denunciados recebam em decorrência das funções que exerciam durante a ditadura. A Procuradoria pede também que seja determinada a perda de medalhas e condecorações eventualmente entregues a eles pelos serviços que prestaram à repressão política.

Neide integrava o setor de agitação e propaganda do PCB e estava desaparecida desde o dia 30 de dezembro de 1975. Naquele ano, já tinha sido presa três vezes, sempre liberada com sinais de tortura por todo o corpo. Moradora do bairro da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo, ela era alvo de constante vigilância, assim como sua irmã e o cunhado, que viviam no Rio de Janeiro e com quem Neide mantinha contato frequente. A militante foi uma das 19 vítimas da chamada Operação Radar, coordenada pelo Doi-Codi do II Exército entre 1973 e 1976 para a eliminação de quadros do PCB em todo o país.

Segundo os dados oficiais, Neide foi levada já na madrugada do dia 31 ao Hospital Municipal do Tatuapé, na zona leste da cidade, devido às queimaduras que havia sofrido. Os familiares só foram comunicados de que a militante estaria na unidade em estado grave no dia 8 de janeiro, quando ela já havia falecido. Ao chegarem ao hospital, a irmã e o cunhado foram submetidos a um longo interrogatório e só então receberam a notícia da morte. O enterro foi realizado no dia seguinte, ainda sob vigilância de agentes da repressão e sem possibilidade de abertura do caixão.

“O laudo é propositadamente sumário e tecnicamente insatisfatório, pois não esclarece como se espalharam as lesões e qual a origem das queimaduras. Não procurou vestígios de vestes queimadas nem fez o exame interior do cadáver”, destacou o procurador da República Andrey Borges de Mendonça, autor da denúncia. “Em verdade, a versão do suposto suicídio foi forjada para justificar o homicídio da vítima. E mais: o laudo foi propositadamente omisso, visando dificultar as apurações das verdadeiras circunstâncias da morte e seus autores.”

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