Usurpação

Decisão de Toffoli sobre juiz das garantias é ‘equivocada’, avalia professor da USP

Mauricio Stegemann Dieter, do IBCCrim, entende que a suspensão determinada pelo presidente do STF invade a competência do Poder Legislativo e retarda uma inovação importante para o sistema de Justiça

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Marcelo Camargo/Agência Brasil
Toffoli teria cedido a pressões de setores da magistratura que têm pretensão de "punir a qualquer custo"

São Paulo – O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, suspendeu a implantação do juiz das garantias por 180 dias em decisão liminar nesta quarta-feira (15). Ele alega que o prazo de 30 dias estabelecido na Lei nº 13.964/2019 “é insuficiente para que os tribunais promovam as devidas adaptações”, e que é necessário um período de transição “mais adequado e razoável, que viabilize, inclusive, sua adoção de forma progressiva e programada pelos Tribunais.”

Ainda que evocando princípios como a razoabilidade, trata-se de uma “invasão” das competências do Poder Legislativo pelo Judiciário, segundo o coordenador-chefe do departamento de amicus curiae do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), Mauricio Stegemann Dieter. Em entrevista ao jornalista Glauco Faria, para o Jornal Brasil Atual, nesta quinta-feira (16), ele classificou a decisão do ministro como “equivocada”.

“Se uma norma que passou pelas duas Casas e foi sancionada pelo próprio presidente da República – que não é um libertário em matérias de política criminal –, como pode o STF, de maneira irrefletida, tão rapidamente, decidir que vai suspender o juiz das  garantias, quando isso não está na vacatio legis (período entre a publicação e a entrada em vigor de uma determinada lei) determinada pelo Poder Legislativo?”, questionou Dieter, que também é professor do Departamento de Direito Penal e Criminologia da Universidade de São Paulo (USP).

Ele diz que a decisão de Toffoli é mais um sinal de que o STF tem reagido às flutuações dos humores de grupos e figuras políticas, já que a criação do juiz das garantias desagradou ao ministro da Justiça, Sergio Moro, e a uma parcela dos magistrados que controlam as associações classistas, como a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que ingressaram com uma ação direta de inconstitucionalidade (ADI) contra essa nova figura jurídica.

“O que parece é que essa parte da magistratura é completamente imatura. Não tem maturidade do ponto de vista da cultura democrática e da cultura técnica processual penal acusatória. Estão numa espécie de adolescência, de afobação, muito misturada com essa pretensão de punir a qualquer custo. Ou achando que juiz é agente de segurança pública, quando, na verdade, a única razão pela qual os juízes existem e têm todas as suas garantias, é para poder tomar decisões contramajoritárias, que assegurem o direito do cidadão contra a pretensão punitiva do Estado. Senão, não precisaria de juiz.”

Encarceramento em massa

O coordenador do IBCCrim defendeu a implementação da figura do juiz das garantias como uma das medidas necessárias para reduzir a superlotação no sistema carcerário brasileiro, que ele classifica como “o mais grave crime contra a humanidade em curso no país”. Cerca de 40% da população carcerária é composta por presos provisórios. Cuidando da fase do inquérito policial, o juiz das garantias poderia estabelecer um maior controle jurídico sobre a legalidade de atos como a prisão preventiva e a prisão provisória, evitando que a pessoa seja presa antes do trânsito em julgado da sua sentença.

“Pesquisas criminológicas indicam que se o sujeito é preso no início do processo, o risco de ser condenado é muito maior. Chega a ser quatro vezes maior do que se não for preso no início do processo. Prender alguém já é pré-condenar. Quando a gente cria a juiz das garantias, alguém específico para cuidar da legalidade estrita dos atos policiais, estamos aumentando o controle sobre a polícia e diminuindo o espaço de arbítrio que hoje ela detém. Ao trazer mais proteção para esse momento inicial, por efeito ricochete, a gente consegue aumentar a disciplina da polícia, aprimorando-a tecnicamente.”

Para enfrentar o encarceramento em massa, ele defende ainda outras medidas, como alternativas processuais para crimes patrimoniais sem violência ou grave ameaça a exemplo da restituição do bem à vítima ou o reconhecimento da responsabilidade para crimes com pena inferior a quatro anos. Mas a principal medida nesse sentido seria rever a política de drogas, que deveria ser tratada como uma política de saúde pública. Segundo o criminalista, é uma pretensão impossível acreditar que o sistema penal possa evitar que pessoas utilizem substâncias psicoativas para fins recreativos.

Confira a entrevista na íntegra


 

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