Ciclo da impunidade

Conselho indigenista contesta inquérito da PF sobre assassinato de líder Guajajara

Polícia Federal descarta hipótese de emboscada por madeireiros na morte de Paulo Paulino Guajajara, no Maranhão. Conselho avalia que conclusão dá vazão para que mais crimes ocorram. Já são 47 mortos nos últimos 20 anos

Sarah Shenker/Survival International
Sarah Shenker/Survival International
Cimi: "É lamentável o resultado desse inquérito. Ele não considera o conflito territorial e a invasão do território que vem acontecendo há anos por parte de madeireiros e de políticos locais".

São Paulo – A Polícia federal divulgou nesta semana o inquérito sobre o ataque aos líderes indígenas Paulo Paulino Guajajara e Laércio Sousa Silva. Paulo foi assassinado e Laércio, baleado no braço, mas o inquérito da PF descarta a hipótese de emboscada por invasores ou conflitos étnicos. O caso de violência ocorreu no dia 1º de novembro de 2019, no interior da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão. De acordo com o relato de Laércio, os dois estavam indo caçar quando foram surpreendidos por cinco madeireiros armados, que dispararam contra os dois integrantes do grupo Guardiões da Floresta.

As investigações da PF contrariam essa versão, afirmando que a execução teria sido “originada da troca de tiros motivada pela posse de uma das motocicletas utilizadas pelos não-indígenas”. Quatro pessoas foram indiciadas pelo crime, mas a Polícia Federal ainda não divulgou suas identidades nem respondeu se seriam, ou não, indígenas.

O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) questiona as conclusões e aponta para uma “interferência política”, motivada pela influência do presidente Jair Bolsonaro e seus discursos. “Porque os fatos foram amplamente divulgados e está clara a intenção de invasão do território e o assassinato do indígena dentro do seu próprio território”, explica o secretário-geral do Cimi, Antonio Eduardo Cerqueira de Oliveira em entrevista à Rádio Brasil Atual.

“É lamentável o resultado desse inquérito. Não considera o conflito territorial e a invasão do território que vem acontecendo há anos por parte de madeireiros e de políticos locais. E também desconsidera que um indígena foi morto e outro foi baleado, é claro que isso não ocorreu por disputa de uma motocicleta, esse fato já vem ocorrendo há anos, a invasão do território do povo Guajajara já vem ocorrendo há mais de 40 anos e tem sido denunciada pelos indígenas, indígenas têm sido mortos, e a criação inclusive do grupo Guardiões da Floresta foi justamente no sentido de coibir as invasões”, destaca Oliveira.

Pelo menos 47 indígenas do povo Guajajara no Maranhão foram mortos nos últimos 20 anos, segundo registros da entidade. Entre eles, 18 eram da TI Arariboia. Pouco mais de um mês do assassinato de Paulo Paulino, o líder Dorivan Guajajara, da mesmo território, foi encontrado morto e esquartejado. Foi a quarta vítima da etnia só entre novembro e dezembro do ano passado.

À imprensa, a PF informou que as investigações encerraram-se no dia 12 de dezembro, com base em exames médicos periciais, testemunhos e declarações dos envolvidos sobreviventes e, segundo o órgão em nota, “foi possível afastar as hipóteses relacionadas a conflitos étnicos ou mesmo por emboscada de madeireiros a indígenas”, após “os indígenas roubarem e depredarem uma moto dos não-indígenas”. A PF não explica o que faziam esses não-indígenas, armados, dentro da TI.

“O nosso espanto é justamente esse fato”, contesta o secretário-geral do Cimi, que publicou uma nota de repúdio às investigações. “Exigimos que esse inquérito seja reformado, porque o crime ocorreu (…) senão vai reforçar, e ao mesmo tempo dar vazão, para que mais crimes contra o povo Guajajara ali naquela região”, alerta.

O conselho agora pretende acionar os povos indígenas e a comunidade e denunciar as investigações aos mecanismos e organizações internacionais. Estuda ainda acionar o Ministério Público Federal – para onde será encaminhado o inquérito.

“A gente infelizmente tem que conceber que houve uma interferência política, no sentido da conclusão desse laudo, porque os fatos foram amplamente divulgados e está clara a intenção de invasão do território e o assassinato do indígena dentro do seu território. Essa denúncia e esse procedimento é para evitar que outros assassinatos venham a ocorrer”, declara o secretário-geral do Cimi.

Ouça a entrevista na íntegra