20 de novembro

Preta Ferreira e o ‘feriado’: os brancos curtem, os negros trabalham. Assista no ‘Entre Vistas’

Em entrevista a Juca Kfouri, Preta Ferreira disseca o preconceito estrutural do país. "Tiram recurso da educação e investem em presídio. Presídios para o povo preto"

reprodução/tvt
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Preta foi presa política por 100 dias sob acusações arbitrárias. "A escravidão no Brasil mudou de forma, mas ainda existe"

São Paulo – A publicitária e “artivista” Janice Ferreira da Silva, a Preta Ferreira, é a convidada desta quinta-feira (21) do programa Entre Vistas, da TVT. O jornalista Juca Kfouri recebe Preta em uma conversa franca sobre temas essenciais, sobretudo a questão racial posta em evidência neste mês da consciência negra. Preta Ferreira é crítica do feriado de 20 de novembro. Para ela, trata-se de uma “maquiagem” em relação à pessoas que mais sofrem neste país e maiores vítimas da desigualdade.

“Enquanto os brancos curtem o feriado, os negros estão trabalhando, morrendo, sendo presos e escravizados. Não existe um dia para a consciência negra”, diz.

O que é preciso é oportunidade e equidade, argumenta Preta. “Precisamos mostrar para as crianças quem são as pessoas que lutaram para estarmos aqui hoje. Temos que fazer nossa literatura, temos que lembrar quem são as influências que nos trouxeram. Através da educação e da arte vamos salvar a população preta. É o que sabemos fazer de melhor”, disse, após Juca lembrar que “o legado dos negros no Brasil é do tamanho do Brasil”.

A questão das mulheres negras no Brasil, igualdade de oportunidades, trabalho e, como não poderia ser diferente, o déficit habitacional nas grandes cidades brasileiras são assunto do Entre Vistas.

Preta foi presa política por 100 dias por sua luta por moradia, sob acusações frágeis e arbitrárias – por sua atuação no Movimento dos Trabalhadores sem Teto do Centro (MSTC). “É muito difícil aceitar o que vem acontecendo nesse país não só comigo. É difícil aceitar que quando a mulher negra começa a ganhar voz, começa a colocar para fora a opressão que sofreu em forma de luta e transformação, ela morre ou é presa.”

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Com um discurso contundente, Preta domina o ambiente quando exercita sua fala. A ativista lamenta a situação dos negros no Brasil, e fala sobre o mês de novembro, da Consciência Negra. “É difícil crescer em uma nação que não enxerga o preto como pessoa capaz, como pessoa que pode ter as mesmas possibilidades. O que sobrou para os negros foi o hospital, cadeia e cemitério. Escola não tem, tiram recurso da educação e investem em presídio. Presídios construídos para o povo preto. A escravidão mudou de forma, mas ela ainda existe. O Brasil é um país escravagista que trata mal o preto.”

A luta

Mesmo em liberdade, a Justiça impôs limitações para Preta, como de sair após determinado horário, ou mesmo de voltar a trabalhar com a luta por moradia. Preta diz que sua trajetória foi e continua sendo em busca de justiça social. “Não pedi para nascer aqui. Fui obrigada. Já que nasci aqui, quero minha herança, minha saúde, meu lazer. Eu quero, é meu por direito. Não estou pedindo favor, está na Constituição.”

“As pessoas se mobilizaram com minha prisão. Doeu porque pode acontecer com todo mundo. Aconteceu comigo que não fiz nada. Pode acontecer com qualquer outra pessoa; basta ela ganhar visibilidade e mostrar os erros do governo. Marielle morreu, eu fui presa. Basta fazer e mostrar para eles que queremos equidade. Luto a mais de 20 anos. Cada um lute sua luta. Não consigo mudar o Brasil sozinho. Vamos juntos, a luta é com todos e não para todos”, completou.

Por fim, Preta provoca o poder público, que passa por um período de tentativa de criminalização das lutas sociais, a aprender com eles. “Querem acabar com os movimentos de moradia mas aonde estão as moradias? Aprendam com os movimentos de moradia como se faz gestão. Com pouco transformamos o lixo em luxo. Fazemos o papel do governo na moradia, na saúde, na educação, na limpeza do bairro e criamos empregos. Aonde tem ocupação, abrem restaurantes, abrem mercados, bares, não tem mais ratos e baratas. Pobre gosta do seu cantinho limpo.”

Assista ao Entre Vistas com Preta Ferreira