liberdade

Preta Ferreira, Sidnei e Maria do Planalto obtêm habeas corpus na Justiça

Desembargadores do Tribunal de Justiça finalmente admitem arbitrariedades das prisões das lideranças sem-teto após 100 dias

Boletim Lula Livre
Boletim Lula Livre
Preta Ferreira deixa a prisão feminina em São Paulo: "acusações são vagas e não estão bem documentadas", explicou a advogada Maíra Machado Frota Pinheiro

São Paulo – As lideranças sem-teto Janice Ferreira (a Preta), Sidnei Ferreira – ambos filhos da coordenadora da Frente de Luta por Moradia (FLM) Carmem Ferreira da Silva – e Maria do Planalto acabaram de receber a concessão de habeas corpus (HC) dos desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo. Após 100 dias presos sob acusações frágeis e arbitrárias, os irmãos, integrantes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC) devem deixar a prisão entre hoje e amanhã (11). A expectativa é que na próxima semana, Ednalva Franco também seja libertada. Angélica dos Santos Lima já havia sido libertada semanas atrás. Maria do Planalto estava com mandado de prisão expedido.

“Como a base da prisão é a mesma, esperamos que todos sejam libertados em breve. A justiça tem adotado essa linha meio sádica de soltar alguns de cada vez, mas está claro que as acusações são vagas e não estão bem documentadas”, explicou a advogada de Maria do Planalto, Maíra Machado Frota Pinheiro.

Para Augusto de Arruda Botelho e Beto Vasconcelos, advogados de Preta, a conquista do HC é uma vitória da mobilização dos movimentos sociais e das defesas dos militantes. “Permitir que Preta e Sidney respondam ao processo em liberdade é, nada menos do que, uma questão de justiça. E foi isso que pudemos presenciar aqui hoje no Tribunal, a justiça sendo feita. Essa é uma vitória importante dentro de um longo processo em que provaremos a completa inocência dos dois”, afirmaram em nota.

O coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, considerou a libertação uma vitória extraordinária. “Recebemos com muita alegria essa notícia de liberdade das companheiras Preta e Maria do Planalto e do companheiro Sidnei, lutadores da moradia popular. Na próxima semana será julgado habeas corpus da Ednalva e esperamos que ela também seja posta em liberdade. Em liberdade eles terão melhores condições de se defender dessas injustas acusações oferecidas pelo Ministério Público, a polícia e confirmadas nas sentenças de primeira instância”, disse.

Restrições

Apesar da libertação, as lideranças sem-teto vão ter de cumprir medidas cautelares restritivas. “Eles não poderão se relacionar com outros investigados ou testemunhas do processo, nem podem circular nas ocupações. Isso é um problema grave porque elas moram nas ocupações, suas famílias estão lá. Então a medida cautelar impacta de forma agressiva a vida delas”, comentou a Maíra. As restrições são as mesmas aplicadas a Carmem, que recebeu HC preventivo no dia 4 deste mês.

As lideranças foram presas em 24 de junho. Naquele dia a Polícia Civil cumpriu 17 mandados de busca e apreensão, além de nove mandados de prisão temporária, sendo quatro efetivados. Depois, em 11 de julho, outras 19 lideranças foram denunciadas pelo Ministério Público Estadual e tiveram mandados de prisão expedidos, entre elas, Carmem. No entanto, as acusações e parte das testemunhas são as mesmas de um processo em que ela foi inocentada, por falta de crime.

O inquérito é um desdobramento da investigação do desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no Largo Paissandu, em 1º de maio de 2018. O prédio era ocupado pelo Movimento de Luta Social por Moradia (MLSM) e abrigava aproximadamente 150 famílias. Nenhuma das lideranças detidas, no entanto, tinha qualquer relação com a ocupação do Wilton Paes, senão aquela estabelecida logo após o desabamento, quando comitês de ajuda organizados pelos movimentos de moradia prestaram auxílio às famílias desabrigadas.

reprodução

Preta Ferreira com a mãe, Carmem Ferreira, perseguidas por lutar pelo direito à moradia digna na capital paulista

Pressões

Além das inúmeras mobilizações dos movimentos de moradia contra a criminalização e a perseguição de lideranças, grupos de defesa dos direitos humanos também têm denunciado a arbitrariedade do processo. Integrantes da missão emergencial organizada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Dhesca) em São Paulo afirmam que a prisão de Preta e Sidnei se deu unicamente com o objetivo de pressionar Carmem, que é mãe deles. “É evidente que eles foram presos por serem filhos dela, que é uma liderança fundamental do movimento social. Isso será incluído em nosso relatório sobre a criminalização dos movimentos sociais”, afirmou a coordenadora da Plataforma Dhesca, Denise Carreira.

A relatora da missão, Lúcia Maria Morais, visitou Preta, Sidnei e Ednalva na última segunda-feira (7). “Ficamos surpresos porque, apesar de tristes, eles estão demonstrando muita força e muita garra de sair e continuar nessa luta. E também de iniciar um trabalho em defesa dos direitos das mulheres encarceradas”, contou a relatora, sobre Preta e Ednalva. “A situação do Sidnei é pior, pois ele está isolado de outros militantes, em uma cela lotada e longe da filha, que ele cria sozinho. Ele não quer que ela o visite, pois não quer que ela o veja nessa situação”, explicou Lúcia.

Para a relatora, as prisões das lideranças sem-teto foram realizadas de forma arbitrária e ilegal. “Elas foram detidas com violência. E depois prenderam o Sidnei em casa, logo depois de ele deixar a filha na escola. Disseram que ele ia prestar um depoimento e só anunciaram a prisão na sede do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). O objetivo dessas prisões não é simplesmente encarcerar as pessoas, mas intimidar, acabar com os movimentos sociais”, afirmou Lúcia.

Na terça (8), ativistas da entidade visitaram as ocupações São João, José Bonifácio, Mauá e 9 de Julho. Foram recebidos dezenas de relatos de criminalização de movimentos sociais, desde lideranças que não podem sair às ruas ou falar publicamente por estarem ameaçadas de prisão aos que moram nos locais e temem por suas famílias, por conta de uma ampliação desse processo de criminalização. “A perseguição não afeta apenas as lideranças, ela é extensiva a todos os moradores das ocupações. Hoje é a Preta (Janice Ferreira), amanhã os moradores, depois os defensores de direitos humanos. A criminalização tende a crescer”, afirmou a relatora.

As conclusões da visita serão encaminhadas às Comissões de Direitos Humanos dos poderes legislativos municipal, estadual e federal, bem como aos Ministérios Públicos Estadual e Federal. O documento também será encaminhado a organismos internacionais como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Organização das Nações Unidas (ONU).