alguns riscos

Alterações feitas na Lei Maria da Penha em 2019 são ambíguas e até ‘perigosas’, diz advogada

Importante marco jurídico no enfrentamento da violência contra a mulher já conta ao menos com quatro mudanças desde o início do ano. Integrante da Rede Feminista de Juristas Tainã Góis avalia dispositivos

Marcello Casal Jr/ABr
Marcello Casal Jr/ABr
Entre as mudanças, Tainã Góis critica que as despesas do cuidados com as vítimas fique com o agressor. "Individualiza a violência" e "estimula a revitimização"

São Paulo – Desde o início de 2019, ao menos quatro vezes a Lei Maria da Penha (11.340, de 2006) foi alterada. Algumas destas mudanças sancionadas pelo governo federal soam ambíguas e podem não produzir os efeitos desejáveis, como avalia a advogada Tainã Góis, mestranda pela Universidade de São Paulo (USP) e integrante da Rede Feminista de Juristas (DeFEMde), em entrevista à jornalista Marilu Cabañas, da Rádio Brasil Atual.

Uma das  críticas feitas pela advogada se refere à alteração que garantiu aos delegados o poder de determinar a aplicação de medida protetiva de urgência às vítimas quando os municípios não forem sede de comarca judicial. A nova lei também permite ao policial a aplicação caso não haja delegado disponível no momento da denúncia. Em ambos os casos, o juiz deve ser comunicado no prazo máximo de 24 horas, decidindo também neste prazo a respeito da manutenção ou revogação da medida.  De acordo com Tainã, a tentativa de dar mais celeridade pode fazer com que o magistrado “não tenha possibilidade de deferir a proteção” ou ainda que a vítima “seja desestimulada a lavrar o boletim de ocorrência”, tendo em vista o tratamento hostil com viés de culpabilização que algumas delegacias insistem em oferecer às mulheres.

Outra mudança prevê a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em episódios de violência doméstica e, de acordo com a integrante da DeFEMde, trata-se de uma incoerência, já que o próprio governo Bolsonaro busca flexibilizar por decreto a posse e o porte de armamentos, que podem inclusive resultar em aumento no número de feminicídios. Hoje, mais de 90% dos casos de violência contra a mulher são cometidos pelos próprios companheiros. “Ter uma arma dentro de casa só aumenta o potencial de gravidade dessa violência doméstica”, aponta a advogada.

Além disso, Tainã aponta que a alteração já era prevista na Lei Maria da Penha que, em agosto, completou 13 anos. “Eles usaram isso como uma ferramenta midiática. Desde 2003 já há a previsão, entre as medidas protetivas, de cassação do porte de armas, a única alteração foi colocar o delegado para averiguar se o acusado tem ou não porte, o que muitas vezes já acontecia. Na verdade, não houve uma grande alteração”, contesta.

O governo Bolsonaro ainda estabeleceu aos agressores o ressarcimento das despesas hospitalares e protetivas pagas para atender as mulheres vítimas, o que é uma mudança “bastante perigosa”, destaca Tainã. “Individualiza essa ideia da violência doméstica, quando a gente sabe que é um problema social, que precisa de investimentos públicos, e que, por outro lado, pode estimular muito a revitimização e a reincidência da agressão.”

Tainã pondera que algumas novidades são bem-vindas, como a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que responsabilizou o INSS pelo pagamento mensal à mulher, vítima de violência, que precise se afastar do trabalho por até seis meses sem perder o contrato de emprego e de salário.

Ouça a entrevista na íntegra

Leia também

Últimas notícias