Corrida armamentista

Câmara pode aprovar projeto que facilita a posse e o porte de armas para diversos profissionais

Proposto pelo governo Bolsonaro, projeto ainda regulariza a posse de armas sem comprovação de capacidade técnica e laudo psicológico

Arquivo/EBC
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Projeto prevê o porte de até 10 armas para o uso pessoal de policiais. “Fica difícil justificar que alguém precisa de 10 armas para o uso pessoal”, diz Michele dos Ramos, do Instituto Igarapé

São Paulo A Câmara dos Deputados votará nesta quarta-feira (30) o polêmico Projeto de Lei (PL) 3723/2019, de autoria do governo de Jair Bolsonaro (PSL). Tramitando em regime de urgência, sem passar por nenhuma comissão temática da Casa, o PL prevê a flexibilização da posse e porte de armas de fogo para caçadores, colecionadores, atiradores esportivos, policiais, agentes penitenciários e socioeducativos, fiscais do Ibama, oficiais de Justiça, peritos criminais, entre outras categorias. O projeto vem na esteira de outros oito decretos de Bolsonaro sobre o mesmo tema desde que tomou posse em janeiro. O Brasil é recordista mundial em mortes por armas de fogo: anualmente, mais de 43 mil pessoas perdem a vida por esse motivo.

Sob a relatoria do deputado federal Alexandre Leite (DEM-SP), o texto que será votado no plenário da Câmara permite a regularização da posse de armas de fogo sem comprovação de capacidade técnica, laudo psicológico ou negativa de antecedentes criminais; diminui de 25 para 21 anos a idade mínima para a compra de armas; permite o porte de arma para pessoas maiores de 25 anos que comprovem estar sob ameaça; e aumenta algumas penas para determinados crimes cometidos com armas.

“Aqui está previsto um derrame de armas na sociedade, que desfigura o Estatuto do Desarmamento e não resolve os problemas de segurança da nossa população”, disse o deputado federal Henrique Fontana (PT-RS), durante os debates do projeto. Na mesma linha de pensamento, Ivan Valente (Psol-SP) criticou a ampliação do porte para diversas categorias profissionais. “É uma lógica de segurança pública torta. Estamos falando em entregar armas para um agente de trânsito, o que pode causar ‘bangue-bangue’ no trânsito.”

Mais armas, mais mortes

“É um retrocesso no controle e pode agravar o destino das armas”, afirma Michele dos Ramos, assessora especial do Instituto Igarapé, para quem o governo deveria se preocupar em aumentar o sistema de fiscalização de armas e munições, e não o contrário. “Pesquisas mostram que, quanto mais armas em circulação, mais homicídios.”

Michele explica que não se pode separar a dinâmica da circulação de armas com a criminalidade, devido aos caminhos que armas legais percorrem até pararem em mãos erradas, seja por furto ou roubo de indivíduos, ou desvios de armamentos oficiais da polícia.

Entre as críticas feitas pela assessora especial do Instituto Igarapé, está a ampliação do porte para a categoria classificada como caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs). Segundo o PL, atiradores esportivos, por exemplo, poderão portar a arma carregada no trajeto entre o local em que ela fica guardada até onde será usada. Michele de Ramos pondera que a caça e o tiro esportivo são práticas regulamentadas, mas não podem se misturar às políticas de segurança pública. “Não há nada que justifique esse privilégio de portar armas na rua.”

Segundo dados do Exército, em dezembro de 2018 havia 255 mil registros de armas de CACs, número que saltou para 464 mil até agosto de 2019. Segundo Michele, para não haver o risco de pessoas que não se enquadram nessa categoria se registrarem como tal apenas para obter armas, é preciso haver critérios específicos, como a participação em competições de tiro ou ser sócio de clube de tiro, de modo a garantir maior controle e fiscalização. “Até mesmo para garantir a integridade do atirador esportivo.”

Outro ponto criticado do PL 3723 é a ampliação do porte de até 10 armas para o uso pessoal de policiais. “Fica difícil justificar que alguém precisa de 10 armas para o uso pessoal”, avalia. Pesquisa Ibope divulgada em junho revelou que 61% da população é contrária à flexibilização da posse de armas, e 73% é contrária a regras mais fáceis para o porte.

“Temos um projeto de lei que vai na contramão do que a população quer e do que os estudos indicam”, afirma Michele dos Ramos, que cobra maior responsabilidade dos parlamentares ao lidar com o tema. “Espero que os deputados ajam com responsabilidade.”

Alvo

Lançada em setembro, a campanha Não Somos Alvo tem o objetivo de enfatizar a vontade da maioria da população brasileira em não ser favorável a regras que facilitem a posse e o porte de armas. 

Com informações sobre a relação entre homicídios, armas e munições, e depoimentos em vídeo de policiais, como o coronel José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança Pública, a campanha procura engajar a população para pressionar os deputados federais que votarão o PL 3723/2019.

“É um pedido para que a população se manifeste. Em nenhum lugar do mundo armar a população tornou o país mais seguro. Esperamos que nossos representantes se sensibilizem. A arma de fogo não é um bom instrumento de defesa. O fator surpresa está sempre à favor do criminoso, não da vítima”, afirma Michele dos Ramos.

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