discurso de eliminação

‘Espetáculo da morte’: analistas criticam ação do Bope em sequestro no Rio

Tenente-coronel aposentado da PM afirma que sequestrador foi morto quando não oferecia mais risco

Tania Rego/Agencia Brasil
Tania Rego/Agencia Brasil
Para tenente-coronel, Witzel não tem noção do cargo que ocupa e faz apologia ao crime como plataforma de governo. 'Ele adota um discurso de eliminação como se fosse eficiente'

São Paulo – Para analistas ouvidos pela Rádio Brasil Atual, a ação do Batalhão de Operações Especiais (Bope), festejada pelo governador, Wilson Witzel (PSL),  no sequestro do ônibus na Ponte Rio-Niterói ocorrido na manhã da terça-feira (20) foi errada e a execução do sequestrador por um atirador de elite não tem justificativa.

Adilson Paes de Souza, tenente-coronel aposentado da PM-SP repudiou a ação e explica que, no momento em que foi alvejado, o agressor Willian Augusto não oferecia risco. “Ele (Willian) foi vítima de um extermínio, jamais ele poderia ter sido morto nessa circunstância. O tiro de precisão deve ser feito quando ele coloca em risco real a vida de alguém. Naquele momento, com ele fora do ônibus, não havia ninguém em risco. No máximo, o tiro deveria ser para imobiliza-lo”, disse Adilson, em entrevista à repórter Nahama Nunes, da Rádio Brasil Atual.

Willian Augusto da Silva entrou no ônibus que fazia o trajeto intermunicipal entre o Jardim Alcântara, em Niterói e o Estácio, no Rio, por volta das 5h. Após o veículo ter passado pelo posto da Polícia Rodoviária, ele mandou o motorista encostar o coletivo, anunciando o sequestro.

Ele portava um revólver que, segundo a Polícia Militar, era de brinquedo, além de uma arma de choque e uma garrafa pet com combustível. Após quase quatro horas de ação, William desceu do coletivo para jogar um casaco aos policiais e, ao retornar, foi atingido por um tiro disparado por sniper. Ao todo, William foi atingido por seis disparos. Segundo a PM, o sequestrador foi levado ao hospital, mas não resistiu aos ferimentos e morreu.

A advogada criminalista Juliana Sanches, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), também discordou da ação policial. Em sua avaliação, Willian foi vítima de uma verdadeira execução pelo Estado, cuja função primordial é proteger todos os cidadãos. “No momento em que ele foi atingido, não oferecia risco a ninguém. Então foi uma execução. Choca a reação que teve o desfecho. O governador do Rio (Wilson Witzel) desceu do helicóptero, comemorando muito a morte, considerada um sucesso por ele. O problema é que a sociedade não reprovou o tipo de conduta, mas que a resposta  do governo é a solução. Isso me causa espanto”, lamentou.

Logo após a morte do sequestrador, o governador foi à ponte Rio-Niteroi, abraçou os policiais e vibrou com a ação do atirador. Adilson demonstra perplexidade com a atitude do chefe de Estado e com a população que aplaudiu. “É muito triste. Ele desceu do helicóptero como se estivesse comemorando um gol. É um senhor que não tem noção do cargo que ocupa e faz apologia ao crime como plataforma de governo. Ele adota um discurso de eliminação como se fosse eficiente”, criticou o tenente-coronel.

Para o advogado criminalista, Renato Marques Martins, diretor do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a polícia precisa agir com inteligência para evitar confrontos com a população em risco. “Esse fato vem numa reação a essa política desenvolvida por Witzel. Ele propaga isso, quando fala que ‘as mortes não podem ser jogadas no colo dele, mas no dos bandidos’. Porém, a polícia poderia usar a inteligência para prender os bandidos sem a necessidade de confronto, que coloca em risco a população”, disse.

No último fim de semana, no Rio de Janeiro, em cerca de 80 horas entre sexta-feira (16) e segunda-feira (19), cinco jovens sem ligação com o crime foram mortos em ações policias no estado. A Polícia Militar chegou a afirmar que alguns deles eram suspeitos, o que foi negado veementemente pelas famílias das vítimas.

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