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Travestis e transexuais enfrentam dificuldade para retificação do nome

Cartilha orienta sobre procedimento para garantir direito, que foi assegurado pelo STF e pelo CNJ há mais de um ano

Diego Padgurschi / Gay1
Diego Padgurschi / Gay1
Direito garantido há mais de um ano, retificação de nome ainda exige via sacra de travestis e transexuais

São Paulo – Ter o próprio nome reconhecido e usado é algo tão comum que a maioria das pessoas sequer imagina a luta de muitas mulheres e homens transexuais e travestis para conseguir retificar seus nomes e garantir o direito a uma identidade que lhes represente. Passado um ano e cinco meses da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu o direito de pessoas trans a alteração de nome e gênero nos documentos de registro civil independentemente de ação judicial, a dificuldade de efetivar o direito nos cartórios ainda é grande. “A retificação do nome é um direito básico para a vida em sociedade, sem constrangimentos”, diz a presidenta da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), Keila Simpson.

Moradora do Rio de Janeiro, a estudante Luana Santos Vieira, de 24 anos, tenta retificar o nome desde que a normativa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) entrou em vigor. “Imaginei que a burocracia seria menor, mas não. Tive de me deslocar para vários lugares, buscar documentos antigos”, afirmou. Mesmo conseguindo reunir a documentação, o cartório não realizou um procedimento administrativo, como determina a decisão do STF. Encaminhou o processo ao Ministério Público, que iniciou uma ação judicial. Algo totalmente alheio às normas do CNJ.

“Parece que que cada estado está fazendo de um jeito. Aqui tem sido assim. Muita gente acabou desistindo e buscando apenas o nome social, que é importante, mas é precário. Está sempre associado ao nome de registro de nascimento, o que para mim é muito constrangedor”, explicou Luana, que até hoje não conseguiu sequer a carteirinha do Sistema Único de Saúde (SUS) com seu nome retificado. “Só consigo esse direito tão básico na Universidade Federal Fluminense (UFF), onde estudo”, completou.

O produtor de eventos Tatto Oliveira está há um ano tentando a retificação do nome em São Paulo. Como já foi casado e teve alterações de sobrenome, a situação ficou ainda mais complicada para Oliveira, que já precisou inclusive alterar outros documentos. “Falta muita informação, os cartórios não explicam direito a documentação necessária, a gente fica perdido”, disse. “A retificação é importante, porque o nome social não resolve tudo. Ainda acontecem muitas situações de discriminação”, destacou.

“A decisão do STF foi um passo muito importante. Antes era uma via-crucis para alterar nome. Porém, o CNJ exigiu uma série de documentos desnecessários, é preciso comprovar muito mais coisa que o necessário para fazer a retificação de nome. Os cartórios ainda fazem solicitações muito bizarras, que não estão na norma, ou alegam desconhecimento. Muitos ainda se utilizam de alegações ideológicas, morais ou religiosas para dificultar o processo e não se atém à letra fria da lei”, relatou Keila.

Para auxiliar nessas dificuldades, a Antra e o Instituto Prios criaram o projeto Eu Existo. As organizações elaboraram uma cartilha de orientação que já relaciona os documentos e procedimentos necessários para retificação do nome. O Prios também está recebendo denúncias de pessoas que tenham passado por dificuldades, exigências incompatíveis com a norma do CNJ ou recusa nos cartórios.

Segundo Luciana Garcia, diretora administrativa do Instituto Prios, os principais problemas encontrados, até agora, pelas pessoas que querem fazer a retificação de nome são o desconhecimento por parte dos cartórios da norma do CNJ e, cartórios que se recusam a fazer a alteração, alegando que caberia ao cartório do registro de origem fazê-lo – algo proibido pelo CNJ –, cartório que pede decisão judicial ou laudo médico sobre cirurgia – absolutamente vetado pela decisão do STF –, e cartório que se recusa a alterar sem justificativa.

“E há o caso específico do Rio de Janeiro, onde os cartórios estão enviando o pedido de alteração ao juiz da vara de registros, o que também não é previsto pela decisão do STF e muito menos pelo provimento do CNJ”, ressaltou Luciana. A campanha “Eu Existo” tem duas propostas: Orientar as pessoas sobre seu direito, receber denúncias e levar essas denúncias adiante, seja pressionando o cartório, ou denunciando à corregedoria, e levantar dados mais amplos sobre a situação da alteração de registro civil de pessoas trans no Brasil para elaboração de um diagnóstico e posteriormente acionar o CNJ e outros instâncias a garantir o direito estabelecido pelo STF.

Confira a cartilha do projeto Eu Existo

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