Caso mais antigo

Depois de 50 anos, moradores de Iperó (SP) esperam desfecho de ação no STF: ‘Aqui tem gente’

Litígio entre União e estado de São Paulo deu entrada na Corte Suprema em maio de 1969. Enquanto os poderes brigam, impasse prejudica aproximadamente 5 mil pessoas

Prefeitura de Iperó
Prefeitura de Iperó
Entrada do bairro Campos Vileta, um dos envolvidos na mais antiga disputa judicial do STF

São Paulo – A 125 quilômetros da capital, com aproximadamente 36 mil habitantes, Iperó é um pequeno e jovem município paulista, cuja emancipação veio apenas em 1965. Como outros da região, desenvolveu-se a partir da instalação da Estrada de Ferro Sorocabana. Mas sua recente história carrega um recorde incômodo. É de lá o processo mais antigo em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF): a Ação Cível Originária (ACO) 158, que completou 50 anos em maio. Trata-se de uma briga entre a União, que se considera dona da área, e o estado de São Paulo, que declarou as terras devolutas e concedeu títulos a habitantes no local. É um processo com 16 volumes e aproximadamente 1.500 folhas.

O não foi superado em várias tentativas de composição e prejudica milhares de moradores de dois bairros, que ficam sem acesso a melhorias na infra-estrutura, já que a prefeitura só realiza benfeitorias à custa de liminares judiciais.

O julgamento chegou a entrar na pauta do STF, no último dia 7, mas as expectativas foram novamente frustradas. Justamente naquela quarta-feira, a agenda do Supremo sofreu uma reviravolta, por causa de uma decisão judicial de transferir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de Curitiba para São Paulo. Parlamentares de diversos partidos foram até o presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, que levou o caso ao plenário – por 10 a 1, a decisão foi suspensa. Ainda não há nova data para o caso Iperó. A relatora é a ministra Rosa Weber.

“Independentemente de qualquer coisa, não é só um território. Tem gente, tem muita gente, que precisa ter a vida resolvida”, diz Eliana Souza da Silva, representante da associação dos moradores, que vive ali há 10 anos. A área em questão envolve perto de 5 mil pessoas, no bairros Campos Vileta e Jardim Alvorada, limítrofes de Sorocaba, em cuja região metropolitana ficam 27 municípios, com mais de 2 milhões de habitantes.

Tragédia social

Segundo o advogado Solano de Camargo, que faria a sustentação oral no STF representando a prefeitura (aceita como amicus curiae no processo), existe receio de que ocorra nos dois bairros o mesmo que aconteceu na comunidade de Pinheirinho, em São José dos Campos, também no interior paulista. Em 2012, uma violenta ação de despejo retirou os moradores do local – coincidentemente, 5 mil pessoas. “Por mais que uma parte ou outra tenha razão, temos atualmente um bairro consolidado, com ruas, água, luz, escola, mobilidade, comércio”, afirma. “A reintegração seria uma tragédia social”, acrescenta, ao observar que há no local em torno de 1.500 crianças. Ele considera que a demora para uma definição se deve a “burocracia e descaso dos órgãos públicos”, com prejuízo para uma população vulnerável.

Para Eliana, há uma combinação de “intransigência e negligência” das duas partes. A questão precisa ser definitivamente resolvida para que o município possa levar benfeitorias aos moradores. Segundo a representante da associação e vereadora suplente, o atual prefeito, Vanderlei Polizeli (PSB), é aberto ao diálogo. Mas a capacidade de ação do Executivo municipal é restrita. “Agora, a empresa está instalando água. Esgoto não tem nem previsão. Enquanto União e estado digladiam, o povo está aqui. Não dá para o bairro ficar parado.”

Na mesma região, funcionou no século 19 uma siderúrgica, que chegou a produzir material usado na Guerra do Paraguai e encerrou atividades em 1895, na incipiente República. Essa área, que não faz parte do litígio, abriga um assentamento oficializado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com aproximadamente 150 famílias. O local havia sido ocupado em maio de 1992 pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Tempos do Império

A siderúrgica, instalada no local conhecido como Fazenda Ipanema, onde fica o assentamento de mesmo nome, está na origem do imbróglio. Em 1840, ainda no tempo do Império, Dom Pedro II visitou o local e pediu que a então província anexasse a gleba às terras da Coroa. No encerramento das atividades da fábrica, em 1895, as terras foram incorporadas ao patrimônio do Império, mas quatro anos depois, na proclamação da República, o estado considerou que eram terras devolutas e as transferiu para moradores. A União discordou – e a briga começou, até chegar ao STF, com várias e fracassadas tentativas de conciliação, para angústia de quem vive ali.

Há um livro que aborda o uso da força de trabalho escravo na chamada Fábrica de Ferro São João de Ipanema, em Iperó, entre outros casos. Escravos da nação – o público e o privado na escravidão brasileira, 1760-1876, da pesquisadora Ilana Peliciari Rocha, foi lançado no início do ano pela Editora da Universidade de São Paulo (Edusp). É resultado de tese de doutorado em História Econômica defendida em 2012.

Os moradores de hoje querem apenas que os poderes parem de brigar. E que a Justiça dê fim ao caso, para que eles possam ter direitos como qualquer cidadão.

 

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