quem não luta, tá morto

Sem-teto: a vida de quem constrói o movimento pelo direito à cidade e por dignidade

Moradores da Ocupação 9 de Julho mostram sua casa. Em vez de o poder público tratá-los como aliados na construção de políticas de moradia, persegue-os

Rodrigo Gomes/RBA
Rodrigo Gomes/RBA
Governo Doria quer esvaziar ocupações ao excluir sem-teto de políticas habitacionais

São Paulo – O Movimento Sem Teto do Centro (MSTC) nasceu no ano 2000, após três anos de ocupação de um edifício abandonado desde 1970, na Rua Álvaro de Carvalho, no centro de São Paulo, transformado, atualmente, na Ocupação 9 de Julho. Hoje, o MSTC é vítima de um violento processo de criminalização, com lideranças acusadas e presas sob denúncias requentadas e frágeis. Apesar de perseguido, o movimento não se acuou, mantém a rotina das ocupações, organiza manifestações, atos públicos e realizou uma grande festa junina no último fim de semana de junho, lotada por sem-teto e com-teto, já que os eventos culturais na 9 de Julho têm as portas abertas para a comunidade.

Os advogados do grupo lutam para garantir o direito de defesa da coordenadora do MSTC, Carmem Ferreira da Silva, e das quatro lideranças presas desde o dia 24 de junho: Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva (a Preta Ferreira), Ednalva Silva Franco e Sidney Ferreira Silva.

Atualmente, o movimento – formado por aproximadamente 2 mil pessoas sem-teto – coordena seis ocupações e um empreendimento do programa Minha Casa, Minha Vida Entidades, o Residencial Cambridge, no antigo hotel de mesmo nome.

Segundo a ONU, 33 milhões de pessoas não têm onde morar no Brasil. Só na cidade de São Paulo faltam cerca de 500 mil unidades habitacionais. O custo médio do aluguel no centro da cidade é de R$ 2.300, totalmente inacessível a uma família de baixa renda.

Segundo números do ano passado da Companhia Habitacional do Município de São Paulo (Cohab), a cidade tem 370 prédios públicos e privados em condições de serem convertidos em empreendimentos de habitação popular. Sessenta deles são do INSS – inclusive o da Ocupação 9 de julho.

Especulação imobiliária

Um dos principais adversários da luta por moradia é a especulação imobiliária. O abandono de muitos imóveis na região central, desvalorizados após longo período de abandono e degradação da região, é “sócio” da expectativa de valorização e do vai-e-vem de projetos de revitalização.

A Constituição Federal assegura, com a mesma clareza, o direito à propriedade e o cumprimento da função social da propriedade – na qual não cabe o conceito de especulação. Os movimentos populares por habitação, por sua vez, em vez de serem tomados como aliados e parceiros do poder público no enfrentamento à especulação e na construção de políticas públicas de moradia, vêm sendo tratados como inimigos e criminalizados.

Uma (não) política que une setores das instituições – gestão municipal, estadual e federal, juízes, polícias –, grande parte dos meios comerciais de comunicação e… a especulação imobiliária.

A RBA visitou a Ocupação 9 de julho para conhecer o dia a dia dessas famílias. Em um prédio limpo e organizado, onde funcionam oficinas culturais, brechó, cozinha coletiva e cursos, a reportagem encontrou trabalhadores, mães e pais de família, idosos, crianças e jovens.

Pessoas comuns que sofrem na pele com o custo do aluguel e as dificuldades para morar, se deslocar e garantir seu sustento na maior cidade do país. E que encontraram no movimento sem-teto um alicerce para a cidadania. Porque o teto é ponto de partida para os outros itens do direito à cidade: escola, saúde, transporte, lazer, emprego. Dignidade.

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