Revolta

Sem-teto protestam no centro de São Paulo contra prisão arbitrária de lideranças

Só nesta quarta-feira (26) os advogados conseguiram ter acesso aos autos do inquérito para solicitar a liberdade dos militantes

Rodrigo Gomes/RBA
Rodrigo Gomes/RBA
Governo Doria quer esvaziar ocupações ao excluir sem-teto de políticas habitacionais

São Paulo – Centenas de sem-teto organizados por vários movimentos de moradia da capital paulista protestam desde o início da tarde de hoje (26) pelas ruas do centro da capital paulista, reivindicando a libertação das quatro líderes presos na última segunda-feira (24), sob acusação de extorsão. “O Poder Judiciário e a polícia ignoraram que essas pessoas sempre prestaram todas as informações, nunca se negaram a colaborar com a justiça”, ressaltou o militante da Central de Movimentos Populares (CMP) Hugo Fantom.

“É uma trama pela criminalização dos movimentos sociais. Nossas lideranças atuam para defender o direito da população mais pobre de morar no centro. Para garantir que esse monte de apartamentos e prédios abandonados sejam destinados a moradia popular. Queremos que o judiciário volte a sua atenção para quem realmente causa injustiças e problemas para a cidade, que são os especuladores”, disse Fantom.

A marcha saiu do Pátio do Colégio, caminhando pelas ruas do centro até a Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP). Depois os manifestantes seguem até a sede do Tribunal de Justiça de São Paulo. Nos locais está sendo entregue um manifesto pedindo a libertação imediata das lideranças presas. “Mais uma vez, o Sistema de Justiça e o estado de São Paulo abrem as alas da violência institucional que oprime o povo pobre que ousa resistir e lutar pela superação da desigualdade social e fazer valer o direito básico e constitucional de moradia”, diz o texto.

Somente nesta quarta-feira os advogados dos sem-teto conseguiram ter acesso ao inquérito para analisar a justificativa das prisões e pedir o relaxamento delas. Durante quase três dias, os presos tiveram seu direito de defesa impedido. “Os pedidos através do Sistema informatizado do Tribunal de Justiça para habilitação e acesso aos autos estão sendo indeferidos. Isso impede e exercício da ampla defesa e do contraditório. É cerceamento de defesa e viola as disposições legais e constitucionais”, afirmou o advogado e membro do Conselho Estadual de Defesa da Pessoas Humana (Condepe) Ariel de Castro Alves.

O vereador paulistano Eduardo Suplicy (PT), junto com outros parlamentares e líderes políticos, esteve no ato manifestando apoio aos sem-teto e repúdio à prisão das lideranças. Ele reforçou a intransigência do poder judiciário em garantir a ampla defesa dos presos. “Não conseguimos sensibilizar a juíza de que essas pessoas não ficaram nada de errado, não cometeram nenhum crime que justifique essas prisões arbitrárias”, afirmou.

A Polícia Civil cumpriu 17 mandados de busca e apreensão, além de nove mandados de prisão temporária, sendo quatro efetivados. A Defensoria Pública e os advogados vão ingressar com pedidos de liberdade na tarde de hoje. A prisão temporária é de cinco dias. As ordens foram expedidas pelo juiz Marco Antônio Martins Vargas. Na ação foram presas Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva (a Preta Ferreira), Ednalva Silva Franco e Sidney Ferreira Silva.

O delegado André Figueiredo, que pediu as prisões, disse que os mandados estão baseadas em depoimentos de 13 testemunhas e grampos telefônicos que teriam apontado a prática de extorsão e desvio de dinheiro nos movimentos. “As testemunhas dizem que pagavam R$ 200 a R$ 400 e esse valor não era usado em melhorias. Aqueles que não pagavam eram ameaçados e agredidos. Não estamos acusando os movimentos, mas pessoas que atuavam nos movimentos”, afirmou.

Segundo o delegado, entre os investigados está Carmen Silva, coordenadora do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC), que foi inocentada no início deste ano em outro processo baseado nas mesmas acusações, por falta de provas e de fundamentos à acusação. Os dois filhos dela, Sidney e Preta, foram presos. “Não tenho conhecimento do outro processo dela (Carmen). Podem ser testemunhas diferentes”, afirmou Figueiredo – depois de questionado sobre a semelhança entre as atuais acusações e as que levaram à prisão arbitrária de Carmen.

Ontem, militantes dos movimentos de moradia iniciaram uma vigília em frente ao 89º DP, no Portal do Morumbi, onde estão detidas as três mulheres, exigindo a libertação dos quatro líderes sem-teto presos. Segundo Heloísa Silva, da CMP, a ação vai ser mantida até a libertação. “Não vamos deixá-las sozinhas. Sabemos que elas estão firmes, estão juntas. E sabem que nós estamos com elas”, afirmou. Sidney está detido do 2° DP, no Bom Retiro.

Preta Ferreira enviou uma carta aos sem-teto, reafirmando sua inocência e a importância de manter-se firme na luta. “Eu e as meninas estamos nos fortalecendo, nos cuidando. Estamos ansiosas para rever vocês. Ainda não conseguimos comer, não por falta de comida. É porque aqui não desce mesmo. Estamos presas por lutar por nossos direitos e isso nos fortaleceu mais. Ninguém chuta cachorro morto. Nossa luta não é em vão. Continuarei lutando, foi assim que aprendi desde menina”, relatou.

Leia o manifesto distribuído no protesto dos sem-teto contra as arbitrariedades:

Lutar não é crime! Moradia é direito!*

*Manifesto de Resistência à Criminalização dos Movimentos Populares*

Mais uma vez, o Sistema de Justiça e o estado de São Paulo abrem as alas da violência institucional que oprime o povo pobre que ousa resistir e lutar pela superação da desigualdade social e fazer valer o direito básico e constitucional de moradia. Neste 24 de junho, em operação repleta de constrangimentos ilegais e baseada em acusações dissonantes à realidade, o Poder Judiciário, policiais civis e o delegado do DEIC – Departamento Estadual de Investigações Criminais, sob o comando do governador João Doria, reprisaram o modus operandi da operação Lava Jato e se valeram da truculência policial na busca, apreensão e prisão de várias lideranças dos movimentos populares, numa flagrante criminalização dos movimentos sociais.

A ação do DEIC executada pelo delegado André Vinicius Figueiredo teve como base denúncias anônimas e grampos telefônicos, num processo que corre em segredo de justiça, iniciado no inquérito que apurou as causas do incêndio e desmoronamento do edifício Wilton Paes de Almeida, que desabou no Largo do Paissandu, em maio de 2018. Vale ressaltar que nenhuma das pessoas detidas tinha qualquer relação com o edifício que veio abaixo. O Sistema de Justiça utiliza o subterfúgio de práticas ilícitas daquele prédio para perseguir lideranças e movimentos sem qualquer relação com o caso, e que possuem uma história, reconhecida nacional e internacionalmente, de defesa do direito à moradia.

Além da prisão temporária de Angélica dos Santos Lima, Janice Ferreira Silva, Ednalva Franco e Sidney Ferreira, foram também determinadas 17 buscas e apreensões de lideranças das ocupações. Alega-se que práticas de cobrança para manutenção dos imóveis ocupados são feitas de forma ilícita. De acordo com o delegado responsável pelo inquérito, a investigação foi instaurada a partir de uma denúncia anônima realizada há cerca de um ano. Em sua coletiva de imprensa, no entanto, ficou nítida a inexistência de fundamento que embase as prisões. As ocupações mantidas pelas referidas lideranças realizam manutenção periódica e possuem infraestrutura validada inclusive pelas autoridades, além de possuírem estatuto, promoverem assembleias e prestação de contas. Há uma evidente tentativa de se utilizar do desastre ocorrido na ocupação do Paissandú para perseguir e intimidar outros movimentos de moradia da região do centro.

As arbitrariedades do Poder Judiciário seguiram nesta terça-feira (25/6), com a demora por parte da Justiça em aceitar a constituição dos advogados de defesa, impossibilitando o acesso aos autos do processo, um claro cerceamento do direito de defesa. Esse é mais um capítulo da investida contra a classe trabalhadora e seus representantes, desencadeado com a prisão arbitrária do ex-presidente Lula, a partir de um conluio da justiça com o poder econômico para impor ao país um projeto anti-popular.

O direito à moradia tem sido alvejado com os cortes de investimentos e a desconfiguração do Programa Minha Casa Minha Vida. Ao desmonte das políticas públicas e à exclusão social se somam os ataques aos movimentos populares, que organizam a luta pelo direito à moradia e por um projeto democrático-popular para o país.

A afirmação do direito à cidade, à moradia digna, e a presença dos pobres e trabalhadores nas ocupações da região central de São Paulo são atos de resistência diária contra a especulação imobiliária e a segregação social. Por isso, os diversos movimentos populares, sindicais, partidos políticos e organizações da sociedade civil conclamam a todas as pessoas defensoras da democracia e dos direitos sociais a se juntar na jornada de resistência contra a criminalização da luta e em defesa da moradia como um direito.

Para que a verdade seja a base da Justiça. O delegado e o Judiciário não pode dar crédito a denúncia de APROVEITADORES que buscam a proteção ilegal do poder público para não pagar despesas de água, luz, manutenção, segurança e limpeza do espaço de moradia.

Exigimos de todas as autoridades competentes:
A imediata libertação dos presos políticos e o fim da perseguição política, pelo Judiciário, contra a legítima luta dos movimentos populares.

Assinam:
CMP – Central de Movimentos Populares, FLM – Frente de Luta por Moradia, UMM – União dos Movimentos de Moradia
da Grande Sâo Paulo e Interior, MMLJ – Movimento de Moradia na Luta por Justiça, Mulheres Negras na Frente, Levante
Popular da Juventude, BR Cidades, UMM – União dos Movimentos de Moradia da Grande São Paulo e Interior, Marcha
Mundial das Mulheres, Consulta Popular 

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