Não é reforma, é desmonte

Um atlas sobre a tragédia do fim da Previdência pública

Publicação da UFG traduz em números o que poderá representar a "Nova Previdência": um decreto de morte à mobilidade social da população

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Números do Atlas refletem a importância do INSS e a dura realidade dos aposentados brasileiros

São Paulo – Editado pela Universidade Federal de Goiás (UFG), o Pequeno Atlas da Tragédia Previdenciária Brasileira transforma em números um universo gigantesco de brasileiros reais que terão seu futuro comprometido pela “falsa equação” que resulta no chamado déficit previdenciário. A publicação desmonta a necessidade da reforma da Previdência do governo Bolsonaro.

Os dados foram retirados “até que não seja decretado seu sigilo” de vários links disponíveis no site do INSS, do Tesouro Nacional e pesquisas recentes do IBGE. “Os benefícios do INSS, em dezembro de 2018, contemplaram 6,9 milhões de aposentados rurais, 13,4 milhões aposentados urbanos, além de 2,37 milhões de pensões rurais e 5,3 milhões de pensões urbanas. A média de rendimento das aposentadorias urbanas foi de R$ 1.487,37 e das aposentadorias rurais de R$ 953,43″, explica.

“Além das aposentadorias e pensões, existem os Benefícios de Prestação Continuada (BPC) – destinados a velhos e portadores de deficiência que vivem em condições de pobreza – que atingiram 4,6 milhões de pessoas vulneráveis. Isso sem contar os auxílios doença, os auxílios-invalidez, o salário-maternidade etc., que beneficiam milhões de trabalhadores e suas respectivas famílias. Mais de 35 milhões de benefícios, correspondendo a mais de R$ 535 bilhões, foram destinados a pessoas residentes nas mais diferentes localidades brasileiras durante o ano de 2018. O INSS é, sem dúvida, do tamanho do Brasil”, ressalta, lembrando o interesse das instituições financeiras sobre todo o montante de recursos administrado hoje pelo Estado brasileiro.

“A Nova Previdência decreta a morte da expectativa da mobilidade social para uma parte significativa da população brasileira que, hoje jovem, desiludida com a política representativa e vivendo de empregos precários, terceiriza as decisões sobre o seu futuro para políticos que, não raro, foram financiados pelo sistema financeiro e pelas corporações interessadas em gerir os bilionários recursos do INSS”, reforça, salientando que empresas ligadas a deputados federais da atual legislatura devem R$ 172 milhões à Previdência Social. “O conjunto de beneficiários de 5 mil municípios brasileiros recebem, por ano, valor inferior a 170 milhões de reais. Esse valor é equivalente, considerando o ano de 2017, a soma total de benefícios do INSS destinados para 180 municípios brasileiros.”

Escrita pelos professores Tadeu Alencar Arrais e Juheina Lacerda Viana, o atlas integra o conjunto de resultados de um projeto de pesquisa – Transferência de Renda Direta e Economia Urbana: Análise dos impactos da Aposentadoria Rural e do Programa Bolsa Família nos Municípios Goianos. Financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), projetos como esse e milhares de outros correm graves riscos diante do corte de verbas para a educação, promovidos pelo governo Bolsonaro.

Essa reflexão, inclusive, faz parte do Atlas: “Existe algo de muito subversivo no conhecimento científico. A redução de recursos para área de ciência e tecnologia, amparada na retórica da austeridade, têm como propósito erodir o prestígio das universidades e, com isso, impedir sua participação no debate sobre os temas mobilizadores da sociedade brasileira”.

Em suas 63 páginas, a publicação é realmente subversiva no sentido de provocar agitação; desordenar, realizar transformações radicais; alvoroçar. “É preciso, urgentemente, debater os temas da reforma da Previdência com idosos, homens, mulheres, crianças e, principalmente, jovens”, afirmam os autores. “Nos mercados, nos intervalos dos jogos de futebol, nos ambientes de trabalho, nos ônibus coletivos, nas escolas secundaristas e universidades, sempre encontraremos pessoas interessadas em discutir o futuro.”

Outra prioridade do estudo é demonstrar que os benefícios previdenciários e os benefícios assistenciais para os mais pobres não conformam privilégios, mas direitos. “Enganam-se aqueles que, iludidos pelas ininteligíveis equações sobre déficit previdenciário, acreditam que essa reforma romperá os privilégios históricos.”

O documento ressalta os verdadeiros prejudicados. “São aposentados, pensionistas e seus respectivos núcleos familiares, que se tornaram arrimos de família em um país de pobres, os que mais sofrerão. É o varejo municipal que se verá desidratado pela redução do fluxo de renda resultante dos benefícios urbanos e rurais, tendo, por consequência direta, o aumento do desemprego. É o sentimento de solidariedade geracional, diante de velhos e velhas pobres, de pessoas acometidas por doenças devido à ausência de ações preventivas do Estado, de professores, policiais militares, enfermeiras e bombeiros, que trabalharão mais e ganharão menos, que desaparecerá, dando lugar ao regime de competição e colaborando, sutilmente, para a eliminação do debate público sobre nosso futuro.”

E sentencia: “A Nova Previdência é a cara do Velho Brasil. Moderno na faixada, mas arcaico, misógino e intolerante, além de cruel com os mais vulneráveis na sua essência”.

Compromisso com a esperança

O Atlas é encerrado com um compromisso por parte da universidade pública: “Temos a obrigação histórica, como instituição pública de ensino e pesquisa, de cultivar aquela mesma esperança transformadora, diante da perversidade do presente, que moveu o diálogo final entre o solidário Mestre Carpina e o retirante Severino, em Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto:

  • Severino, retirante,
    deixe agora que lhe diga:
    eu não sei bem a resposta
    da pergunta que fazia,
    se não vale mais saltar
    fora da ponte e da vida;
    nem conheço essa resposta,
    se quer mesmo que lhe diga
    é difícil defender,
    só com palavras, a vida,
    ainda mais quando ela é
    esta que vê, Severina;
    mas se responder não pude
    à pergunta que fazia,
    ela, a vida, a respondeu
    com sua presença viva.
    E não há melhor resposta
    que o espetáculo da vida:
    vê-la desfiar seu fio,
    que também se chama vida,
    ver a fábrica que ela mesma,
    teimosamente, se fabrica,
    vê-la brotar como há pouco
    em nova vida explodida;
    mesmo quando é assim pequena
    a explosão, como a ocorrida;
    como a de há pouco, franzina;
    mesmo quando é a explosão
    de uma vida Severina.

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