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Mães de vítimas do Estado lançam livro para contar ‘história dos filhos vivos’

‘O Brasil todo conhece a história das mães, mas não conhece quem eram os filhos’, explica Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Independente Mães de Maio

Reprodução

Capa do livro traz ilustrações das memórias das mães com os filhos que o Estado brasileiro lhes tirou impunemente

São Paulo – Mães que perderam os filhos vítimas da violência policial resolveram contar as histórias além da tragédia e do luto. O livro Memorial dos Nossos Filhos Vivos – as vítimas invisíveis da democracia, organizado por Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Independente Mães de Maio, é um resgate das memórias que as famílias têm de seus filhos desde a infância, mas que quase ninguém conhece. “O Brasil todo conhece a história das mães de maio, mas não conhece quem eram os filhos. Eles ficaram só na memória das mães que tiveram o lar destruído. Eles não eram suspeitos. Suspeitos são os assassinos dos nossos filhos que foram perdoados pela impunidade do nosso país”, disse Débora.

Publicado pela editora Nós por Nós, o livro será lançado amanhã (16), às 18h, na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco, centro de São Paulo. A publicação conta com 23 depoimentos das mães contando as histórias de seus filhos antes do Estado tirá-los delas. Este é o quarto livro relacionado à história de familiares de vítimas da violência policial.

“Resgatar quem eles eram é de suma importância para nós, mães, porque a dor ficou na lembrança da convivência desses meninos. No dia das mães, dia dos pais, na páscoa, nas datas comemorativas, a gente não tem mais o abraço, o carinho. A gente tem que mostrar quem são eles, que tinham nome e sobrenome e uma família que zelava por eles. Esse livro é um grito de que os nossos mortos têm voz”, explicou Débora.

O filho de Débora, o gari Edson Rogério da Silva, foi morto em 16 de maio de 2006, aos 29 anos, a alguns metros de casa. O caso ocorreu durante o revide das forças policiais aos ataques praticados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC). Cerca de 600 pessoas foram mortas em uma semana em todo o estado de São Paulo, a maior parte na baixada santista, em situações que indicam execução e participação de policiais. O caso de Rogério foi arquivado a pedido do Ministério Público (MP).

O livro não traz histórias relacionadas apenas aos crimes de maio. A prática constante de execuções por agentes de segurança, muitas vezes disfarçada sob a figura dos autos de resistência, levou a dor da perda dos filhos a muitas outras mães em todo o país e fora dele. Os relatos trazem histórias de vida de jovens do Amazonas, do Pará, do Rio de Janeiro, de São Paulo e até de Chicago (EUA).

“Guardo até hoje o cavaquinho dele”

Maria Aparecida Alves Marttos, a Cida, do Movimento Mães Mogianas, é uma das que contou a história de vida de seu filho Diego Rodrigues Marttos, assassinado por policiais militares de folga na virada de ano de 2014 para 2015, aos 33 anos. “Eu tenho muito prazer em falar dele, ele era meu grande amigo. Sou viúva desde que ele tinha 6 anos e ele sempre esteve do meu lado. É uma forma de trazer ele vivo junto de nós. Falar sobre ele, de quando ele estava no seio da família. A única coisa que nós temos é isso, as lembranças”, explicou.

Entre risos, Cida lembra que o filho “era danado quando criança”, gostava muito de soltar pipa, jogar bolinha de gude e ir à praia. “Com sete anos, tinha um pedreiro trabalhando na casa da minha mãe, que fumava muito e jogava as bitucas no quintal. De repente, Diego sumiu. Quando encontramos ele estava tentando fumar as bitucas”, contou. “Só veio pegar ‘jeito de gente’ com 17 anos, mas comigo sempre foi um menino carinhoso e grudado em mim”, completou.

Apesar de namorador na juventude, Diego ficou 9 anos casado e teve uma filha. Separado, voltou a morar com a mãe e os dois chegaram a trabalhar juntos em uma empresa no bairro. Ele não costumava sair à noite. Sua diversão era jogar videogame e tocar samba.

“Ele sempre foi um paizão, levava e buscava a filha na escola, ia nas reuniões de pais. E gostava muito de samba, de tocar cavaquinho. Guardo, até hoje, o cavaquinho dele”, contou Cida. Ela lembrou que o filho sonhava em abrir uma lanchonete. “Vivia inventando lanches, cozinhava bem. Mas deixava a cozinha toda bagunçada”, brincou Cida.

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