São Paulo

Extinguir a Ouvidoria das Polícias interessa a policiais violentos e corruptos

Advogado e familiar de vítima das forças de segurança criticam proposta em análise na Assembleia Legislativa paulista e defendem existência do órgão

Bruno Santos/Folhapress

Casos de violência policial seriam mais difíceis de ser denunciados sem a Ouvidoria, já que os demais órgãos são corporativos

São Paulo – “Quem defende a extinção da Ouvidoria das Polícias está defendendo policiais violentos, assassinos e corruptos. Essa proposta é um atentado contra a democracia, a transparência e os direitos humanos”, argumenta o advogado Ariel de Castro Alves, membro do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (Condepe) e membro do Grupo Tortura Nunca Mais. O Projeto de Lei 31/2019, de autoria do deputado estadual Frederico D’Ávila (PSL), pretende acabar com o órgão, criado em 1997, alegando “dar continuidade à política de redução de gastos públicos, bem como corrigir uma injustiça imposta unicamente em desfavor dos policiais do estado”.

A Ouvidoria é um órgão de controle externo das forças de segurança, ou seja, não é controlado pelo comando das polícias Civil ou Militar. Mas é parte da Secretaria da Segurança Pública (SSP). Recebe denúncias identificadas ou anônimas, servindo como canal entre a população e a secretaria. As denúncias são encaminhadas para as corregedorias e para a Polícia Civil. O órgão também auxilia nas denúncias dos próprios policiais. Em 2018, ao menos 233 policiais militares e civis fizeram reclamações anônimas por meio do canal de atendimento por medo de represálias. A maioria das manifestações tratava de condições de trabalho.

A Ouvidoria das Polícias recebeu pouco mais de 5,5 mil denúncias em 2018, a maior parte sobre a atuação da Polícia Militar. Apesar disso, as denúncias representam 0,01% das intervenções realizadas pela PM. E 0,05% das ações da Polícia Civil, segundo a SSP. A atuação da Ouvidoria se dá em casos de violência policial e abusos, mas também em problemas como negligência, chamadas não atendidas, dificuldades para fazer Boletim de Ocorrência. Em 2018, o órgão cobrou, por exemplo, a contratação de policiais civis, cujo déficit atual é de 8 mil agentes.

Mas, para o deputado, “o papel da Ouvidoria tem sido o de injustamente acusar, desmoralizar e desestimular o policial no desempenho de suas funções” e “de crítica contumaz da própria polícia”, conforme a justificativa do projeto. Para D’Ávila, a atuação da corregedoria e outros órgãos internos das polícias seriam suficientes para o controle da atuação policial.

“As corregedorias e as polícias são corporativas. É necessário ter um órgão de controle externo cobrando e acompanhando as apurações. Muitas vítimas e testemunhas denunciam até de forma anônima na Ouvidoria. São pessoas que não iriam nos quartéis ou em delegacias para prestarem depoimentos como vítimas e testemunhas, mas vão na Ouvidoria por saberem que é um órgão social e de direitos humanos”, defende conselheiro do Condepe.

Para Débora Maria da Silva, fundadora do movimento de familiares de vítimas da violência policial Mães de Maio, o objetivo desse tipo de proposta é que a população tenha medo de denunciar abusos e violências praticados pelas forças de segurança. “A Ouvidoria é um órgão da população. É o controle da sociedade. Quem não tem nada a temer não precisa se preocupar com a Ouvidoria. Os demais órgãos não são seguros, as pessoas denunciam a passam a sofrer perseguições e ameaças”, aponta.

D’Ávila argumenta ainda pela economia de verba pública com a extinção da Ouvidoria. No entanto, o órgão só tem despesas salariais com 16 funcionários: cerca de R$ 1 milhão por ano. Cerca de 0,0005% dos R$ 24 bilhões que compõem o orçamento da SSP. O cargo atualmente é ocupado pelo sociólogo Benedito Domingos Mariano. O ouvidor é escolhido pelo governador do estado, a cada dois anos, a partir de uma lista tríplice elaborada pelo Condepe.

O deputado estadual Emidio de Souza (PT) pediu à presidência da assembleia o arquivamento do PL 31/19. “Se fosse para defender os policiais, eles deveriam defender piso salarial decente. São Paulo não pode ter o maior PIB do país e ter o 23º salário pago a policiais”, afirmou. Ele destacou que o PL é ilegal, porque o legislativo não pode decidir sobre criação ou extinção de órgãos do executivo.

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