'Probleminha' de Bolsonaro

Presa, afastada do filho pequeno, torturada. Rose Nogueira e o horror da ditadura

'A história é um processo. E quem não tem essa bagagem acaba tendo muitos problemas. Votando errado, por exemplo...”, afirma a ex-presa política no programa 'Entre Vistas', da TVT

Luciano Velleda

Rose Nogueira ficou nove meses presa e dois anos em liberdade vigiada. Inocentada em 1972, o estrago da tortura já estava feito

São Paulo – A jornalista Rose Nogueira provavelmente não esperava ser convidada para dar entrevista num estúdio de televisão, em pleno ano de 2019, para comentar as declarações de um presidente do Brasil que diz não ter havido golpe em 1964, e que o regime que a afastou do seu filho recém-nascido, em 1969, e a manteve presa por nove meses sob tortura, não foi uma ditadura.

O ambiente de câmeras e luzes por certo não incomoda a ex-repórter que trabalhou com Vladimir Herzog na TV Cultura e participou da criação do programa TV Mulher, na TV Globo, nos anos de 1980. Mas questões sobre se houve ou não ditadura e golpe não deviam estar nos seus planos, aos 73 anos de idade.

“Houve um golpe sim, houve um golpe terrível na democracia do Brasil, um golpe muito bem armado contra o presidente João Goulart”, afirma Rose Nogueira, logo no início do programa Entre Vistas, que vai ao ar nesta quinta-feira (4) a partir das 22h, na TVT, com Juca Kfouri.

Assista à íntegra do Entre Vistas

Rose Nogueira tinha 18 anos na madrugada do dia 1º de abril de 1964, uma noite escura que jogou o país numa ditadura civil-militar por 21 anos. “O Brasil vinha de uma progressão de felicidade depois do Juscelino (Kubitschek). A construção de Brasília deu uma autoestima impressionante ao Brasil”, recorda a jornalista, integrante do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo.

“O Jango era comunista?”, pergunta Juca Kfouri, novamente com a ironia compatível com os tempos de Brasil de Bolsonaro. “Não, claro que não, penso que não. Aliás ele tinha até menos do que outros a questão estatal”, pondera Rose, lembrando das chamadas “reformas de base” do ex-presidente João Goulart, que incluíam o maior incentivo à educação e a reforma agrária, temas que até hoje causam calafrios na elite brasileira.

O programa conta com a participação do repórter Cosmo Silva, da Rádio Brasil Atual, e da também jornalista Paula Sacchetta, diretora dos documentários Verdade 12.528, sobre a Comissão Nacional da Verdade (CNV), e Precisamos Falar do Assédio.

Em sua primeira intervenção, Paula Sacchetta, nascida em 1988, pede para Rose explicar por que essa história ainda tem a ver com a realidade do Brasil e de sua geração.

“A história é um processo, a história não é um evento aqui e outro ali. Porque senão, como a gente saberia da história da República? Nós também não éramos nascidos em 1889, a gente não viu a Independência, a gente não acompanhou o enforcamento do Tiradentes. Então você não teria que saber de nada. Mas a história é um processo e tudo que somos, é exatamente o que trazemos desse processo, é essa bagagem. E quem não tem essa bagagem dança e acaba tendo muitos problemas. Votando errado, por exemplo…”, explica a ex-presa política.

A vasta bagagem carregada por Rose Nogueira em seu empenho pelo direitos dos brasileiros à memória, à verdade e à justiça está no Entre Vistas que vai ao ar nesta quinta-feira, a partir das 22h, e pode ser acompanhado no canal da TVT no Youtube.