Tragédia na Muzema

Pesquisador diz que milicianos são ‘intocáveis’ por estar dentro da polícia

José Claudio Souza Alves explica que as milícias no Rio de Janeiro atuam por dentro da estrutura do Estado. 'Eles não são atingidos por operações da polícia porque são eles mesmos”

Centro de Operações da Prefeitura do Rio

Acusado pelo MP de ser o chefe da milícia em Muzema, o major Ronald Pereira já foi homenageado por Flávio Bolsonaro

São Paulo – Autor do livro Dos Barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense, José Claudio Souza Alves é taxativo ao afirmar que a impunidade dos grupos milicianos é decorrente da sua própria penetração nas esferas do poder público. Na última sexta-feira (12), dois prédios construídos por milicianos desabaram na Muzema, zona oeste da cidade do Rio de Janeiro. Até o momento, 16 pessoas morreram e oito permanecem desaparecidas. A região é uma entre tantas áreas dominadas pelas milícias no Rio de Janeiro.

“A gente sabe que a milícia tem esse poder todo porque ela atua por dentro da estrutura do Estado, são agentes de segurança pública, são pessoas diretamente envolvidas com o poder do Estado, que têm acesso a informações privilegiadas. Eles são intocáveis, não são atingidos por operações da polícia porque são eles mesmos”, explica José Claudio, também professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, em entrevista aos jornalistas Glauco Faria e Marilu Cabañas, na Rádio Brasil Atual.

Segundo ele, vender bens e serviços para moradores das comunidades carentes faz parte da estratégia das milícias, uma prática recorrente que agora tem se sofisticado ao incluir a construção de prédios e venda de imóveis. “Eles acabam controlando esses mercados e impondo isso às populações e aos grupos onde eles controlam militarmente a área”, afirma.

Ouça a entrevista

Diante da tragédia na Muzema, José Claudio critica as declarações dadas pelo prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), e do governador Wilson Witzel (PSC), por destoar da realidade da situação.

“É como se eles estivessem fora do mundo real que as pessoas vivem no Rio de Janeiro. É muito triste, você vê o sofrimento dessas populações, o desamparo. São pessoas abandonadas para que grupos como os milicianos se prevaleçam disso e covardemente abusem desse poder que o Estado lhe dá, e possam expropriar dessas pessoas o dinheiro, a vida e a dignidade”, analisa.

De acordo com autor do livro Dos Barões ao extermínio: uma história da violência na Baixada Fluminense, a verdadeira resistência aos grupos milicianos tem sido feita por meio de coletivos e movimentos sociais que se organizam na periferia. Ele explica que são ações “pulverizadas”, organizadas em igrejas, associações ou escolas. Como exemplo, cita a possibilidade de uma pessoa mais pobre ser ajudada por outra com condição financeira melhor, ou a proteção a uma criança ou uma pessoa idosa.

“São gestos muito pequenos, mas que na verdade expressam uma outra sociabilidade, outra forma de lidar com o mundo urbano, com o sofrimento das pessoas, que não vai alimentar esse modelo de uma estrutura armada, militarizada, com o poder do Estado criminoso, e apoiados politicamente por grupos hipócritas que endossam o assassinato, a execução sumária e esse discurso de que ‘bandido bom é bandido morto’.”

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